9 de dezembro de 2008

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ (4) VATICANO II: RESGATE DO ESSENCIAL “PERDIDO”


3. VATICANO II: RESGATE DO ESSENCIAL “PERDIDO”


No final do século XIX, mas principalmente dos inícios do século XX para cá, a partir dos avanços nas pesquisas das fontes bíblicas, patrísticas, litúrgicas, e até mesmo arqueológicas, do primeiro milênio, começou-se a perceber o quanto havíamos nos distanciado das tradições cristãs mais antigas e das raízes cristãs mais genuínas no que diz respeito à Eucaristia.
Desenvolve-se então na Igreja um grande movimento de resgate do verdadeiro sentido da Liturgia para as comunidades cristãs. Trata-se do chamado “movimento litúrgico” que, sem dúvida, preparou muito bem o terreno para o advento do concílio Vaticano II.
E, então, que faz o Concílio? Com a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, ele resgata uma série de elementos “eucarísticos” essenciais que praticamente havíamos perdido de vista em todo o segundo milênio. E aí que está o imenso e inquestionável valor do Concílio!
3.1. Resgata-se a centralidade do mistério pascal: A eucaristia é celebração do mistério pascal, memorial da morte e ressurreição do Senhor Jesus. Resgata-se o verdadeiro sentido pascal do “mistério da fé”: “Anunciamos, Senhor a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição...”. Resgata-se a centralidade do altar da celebração no espaço da celebração.
3.2. Resgata-se consciência da presença real do Senhor na globalidade da celebração: na assembléia, na Palavra, na pessoa do sacerdote que preside, e sob as espécies de pão e de vinho (cf. SC 7)
3.3. Resgata-se a principal fonte de espiritualidade cristã, a saber, a Eucaristia como celebração memorial da Páscoa (cf. SC 14).
3.4. Resgata-se a centralidade da Palavra, provocando-nos assim a levá-la a sério, com leitores qualificados, ambão em destaque, uso do lecionário e/ou evangeliário, prática obrigatória da homilia nos domingos e dias de festa (cf. SC 24-25).
3.5. Resgata-se a consciência da Liturgia da Palavra e da Liturgia eucarística como um só ato de culto, como dois momentos de vivência da mesma Aliança.
3.6. Resgata-se o mistério celebrado como principal fonte de inspiração teológica. Uma teologia eucarística terá que ser elaborada sobretudo a partir da experiência de Deus na divina Liturgia (escuta da Palavra e participação no Sacramento).
3.7. Resgata-se a mistagogia como metodologia mais apropriada na iniciação à vida eucarística. Iniciar à vida eucarística a partir do rito, da ação eucarística. Um grande desafio que ainda temos pela frente, na catequese!
3.8. Resgata-se o caráter comunitário, ministerial e participativo da celebração eucarística. Resgata-se o sujeito da ação eucarística como sendo a comunidade eclesial, povo sacerdotal, corpo de Cristo (cf. SC 26 e 48). Reconhecem-se os diferentes ministérios leigos na liturgia (acólitos, leitores, músicos, instrumentistas, sacristão, comentarista, acolhida etc.) como verdadeiros “ministérios litúrgicos”. E é impressionante como “Sacrosanctum Concilium” realça a participação plena, consciente, ativa e frutuosa na celebração da divina Liturgia como um direito e um dever de todos (cf. SC 14 e, sobretudo, SC 48).
3.9. Resgata-se o sentido da ação eucarística como “comer e beber juntos em ação de graças”.
3.10.Resgata-se a necessidade de a celebração da Eucaristia se adaptar às diferentes culturas e índoles dos povos, com sua linguagem verbal, gestual e musical próprias (cf. SC 37-40).
3.11. Resgata-se a “nobre simplicidade” da liturgia eucarística de nossa tradição romana do primeiro milênio (cf. SC 34). Isto é, trata-se de garantir o essencial: a Palavra e o mistério pascal. Há uma tendência hoje (precisamente por causa de uma mentalidade viciada que herdamos de todo um milênio passado) de querer complicar tudo de novo, de inflacionar nossas missas novamente com um monte de “adornos” e “entulhos” que só vem comprometer a visão daquilo que é essencial na celebração da Eucaristia. Um exemplo só: Certas missas hoje são tão barulhentas, do começo ao fim, com tanto canto, com instrumentos musicais estridentes abafando as vozes do povo, com tanta fala e palavrório, tanto ruído, tantos shows, que não se abre praticamente espaço para o principal Participante “falar”, não se abre espaço para o Senhor se manifestar..., precisamente na suavidade, na calma e no silêncio.
3.12. Enfim, resgata-se a preocupação com a qualidade teológica, ritual, espiritual, pascal da celebração eucarística. Daí a insistência na formação litúrgica em todos os níveis (cf. SC 14-20). E quando dizemos “formação litúrgica”, entende-se como um processo permanente de aprendizado e aprofundamento sobre o sentido teológico-espiritual da ação celebrativa eucarística, do qual deve brotar naturalmente um comportamento solidário dentro da sociedade, segundo a justiça do Evangelho . Graças a Deus, hoje está havendo um despertar para a necessidade de tal formação em muitas de nossas comunidades.

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