20 de setembro de 2005

O Paradigma de Assis


A Jornada Mundial de Oração pela Paz, realizada em 1986 na cidade de Assis (Itália), constitui um marco fundamental no campo do diálogo inter-religioso. Pela primeira vez na história, inúmeras lideranças religiosas mundiais encontram-se para juntos rezar e testemunhar a natureza transcendente da paz. Os que participaram da experiência são unânimes em afirmar o seu caráter extraordinário. Na opinião do Dalai Lama, o encontro de Assis resultou extremamente benéfico, pois "simbolizava a solidariedade e um compromisso com a paz demonstrado por todos os que participaram" . Ao mencionar o evento, João Paulo II afirmou que a sintonia de sentimentos que ali ocorreu provocou a vibração das "cordas mais profundas do espírito humano" . Ali estavam, lado a lado, os cristãos das várias Igrejas e comunidades eclesiais e representantes de outras tradições religiosas, como companheiros no caminho comum, em atitude de oração, jejum e peregrinação.
O paradigma de Assis, revelador de uma nova perspectiva dialogal para as religiões, retoma sua atualidade neste momento particular da conjuntura eclesial, marcado pelos complexos desdobramentos da Declaração Dominus Iesus, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em setembro de 2000. Esta Declaração harmoniza-se com uma tendência muito presente no atual campo religioso católico, marcado pela afirmação da identidade com ênfase na centralidade do anúncio explícito. O novo "entrincheiramento identitário" revela um temor polifônico: do relativismo, do indiferentismo, da desubstancialização da fé, de uma nova reforma na Igreja.
Mas também o medo das conseqüências e implicações teológicas de uma maior aproximação com outras comunidades de fé. De modo particular, o receio de descobrir que Deus possa falar de formas diversificadas, enquanto dom de gratuidade e surpresa permanente.

Faustino Teixeira
Publicado na revista Concilium 3/2001; o artigo completo pode ser lido em http://www.empaz.org/dudu/du_art12.htm

10 de setembro de 2005

Cristianismo e Liberdade

Cristianismo e Liberdade são dois grandes conceitos que deveriam ter o mesmo significado. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gal. 5,1): ainda que S. Paulo possa ter dirigido essas palavras aos seus cristãos, por motivos relacionados com as circunstâncias do seu tempo e do local em que viviam, a sua frase não deixa de ser o lema de todos os cristãos, de todos os tempos. Pelas suas origens, a Igreja deveria assumir o papel de guardiã da liberdade neste mundo. No entanto a liberdade que Jesus pretendeu oferecer aos seus discípulos e discípulas tem sido constantemente reprimida, ao longo de quase toda a História da Igreja. Essa repressão, brutal e sanguinária aquando das guerras religiosas, das Cruzadas, da Inquisição e da caça às bruxas, continua viva nos dias de hoje, ainda que os métodos repressivos se tenham modificado. Para os mais velhos entre nós a perseguição astuta da liberdade de pensamento e expressão, perseguição que não poupa sequer a discussão científica, é ainda uma recordação presente e malfazeja. Essa atitude continua a exercer uma influência insidiosa nos nossos dias.
Contudo, o papa João XXIII estabeleceu, como objectivo para o Concílio que convocou em 1959, a abertura da Igreja ao sopro de um vento renovador. E, de facto, o mundo entendeu quer o decurso, quer as conclusões do Concílio, como um movimento em direcção à liberdade. O facto de, actualmente, pouco restar de todos estes ideais é a própria medida das carências da Igreja dos nossos dias.
Ora, como os homens anseiam mais que nunca por liberdade, o seu afastamento da Igreja é cada
vez mais acentuado e imparável.
(...)
Lucerna, Ano Novo 1995

Herbert Haag, Liberdade aos Cristãos, início do Prólogo, Círculo de Leitores