3 de dezembro de 2008

O Concílio Vaticano II também aconteceu para nós


Iniciei o meu ministério sacerdotal nesta Diocese, pelas mãos do saudoso Cardeal Cerejeira, em pleno entusiasmo da renovação conciliar. Havia dois anos, o Papa João XXIII surpreendera a Igreja com a convocação de um Concílio Ecuménico. Eram passados quase cem anos do encerramento precipitado do último, interrompido bruscamente pelas mutações sociais e políticas em Roma e em toda a Itália. Na Basílica de São Paulo fora de Muros, no dia 25 de Janeiro de 1959, Festa da Conversão de São Paulo, o Papa explicou as razões da sua decisão: o mundo mudou; a Igreja, para continuar a ser fiel à sua missão de enviada ao mundo, como mensageira da salvação, precisa de mudar, de se adaptar às exigências dessa missão. O desafio à mudança aparece como exigência da fidelidade da Igreja. “Aggiornamento”, o pôr-se em dia para a missão, tornou-se a palavra de ordem.

Foi uma ousadia corajosa convidar a Igreja à mudança. Mas, afinal, a Igreja também pode mudar? Tanto na Igreja, como na sociedade, quando os acontecimentos marcantes convidam à mudança, desencadeiam-se processos históricos incontornáveis: uns querem mudar rapidamente aquilo com que não concordam, e lançam-se em aventuras de cariz revolucionário, do mudar por mudar, em que a mudança é a única coisa que interessa; outros procuram generosamente intuir o futuro das instituições, redescobrir a sua verdade profunda, porque está em questão o futuro do homem e da humanidade.

Isto também aconteceu na Igreja. Enquanto a Assembleia Conciliar rezava e trabalhava para perceber, à luz da Fé e da Tradição, esse novo rosto da Igreja, preparada para a missão, para ser enviada de novo, muitos, por toda a parte, entusiasmados com esse ambiente de mudança, lançaram-se numa “euforia conciliar”, em que era legítimo tudo mudar em nome do Concílio, talvez sem nunca terem escutado os ensinamentos conciliares, esse monumento, belo e harmonioso, de doutrina e desafios pastorais, dos mais notáveis que a Igreja produziu em toda a sua história.

Este duplo dinamismo, melhor, esta maneira diferente de entender o convite à mudança, está ainda hoje na origem de muitos problemas na Igreja. Os que não perceberam que a mudança era exigida pela fidelidade à missão, que é manifestação de fé na Igreja e no Espírito que a conduz, quiseram mudar por mudar, ao sabor de visões subjectivas e provocaram tensões, e levaram outros à tentação de regressar aos tempos antes do Concílio, como se todo ele tivesse sido uma aventura. Por outro lado, a Igreja, conduzida pelos seus pastores, à cabeça dos quais está o Sucessor de Pedro, procuraram, bebendo na verdadeira fonte os ensinamentos conciliares, conduzir a Igreja à necessária e sólida mudança para a missão.

D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa
Separata da Vida Católica, nº 28, 3ª Série
O texto completo pode ser lido aqui

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