30 de setembro de 2007

Existe um velho provérbio húngaro que diz que na cova do lobo não há ateus, por isso julgo que não existe quem não acredite. O nada não existe na física ou na biologia e quando se lêem os grandes físicos entende-se como eram homens profundamente crentes, que chegaram a Deus através da física e da matemática e que falavam de Deus de uma maneira fascinante. A minha relação é a de um espírito naturalmente religioso, cada vez mais, não no sentido desta ou daquela igreja mas porque me parece que a ideia de Deus é óbvia. Cada vez mais o é para mim. É um bocado como diz Einstein, quando afirma que Deus não joga aos dados.

É claro que me zango com Deus porque permite o sofrimento, mas talvez os seus desígnios tenham tais profundezas que não atinjo. O sofrimento sempre me foi incompreensível porque nascemos para a alegria. A minha atitude em relação à religião é essa, não estou a falar de igrejas, estou a falar em relação a Deus e não acredito quando as pessoas dizem que são agnósticas ou ateias. Não estou a dizer que a pessoa não esteja a ser sincera, mas dentro dela e em qualquer ponto há algo... Uma vez perguntaram ao Hemingway se acreditava em Deus e a resposta foi às vezes, à noite.


António Lobo Antunes em entrevista ao DN de 30 de Setembro de 2007

6 de setembro de 2007

Diálogo Inter-Religioso

Um artigo deveras interessante sobre o tema pode ser lido no Filosofix II:

Quem é cristão? Reflexões para o diálogo inter-religioso.

E já agora dêem uma boa vista de olhos pelos demais artigos.

5 de setembro de 2007

O testemunho neotestamentario sobre a origem e a natureza da Igreja

Partamos do fato de que o anúncio de Jesus dizia respeito diretamente não à Igreja, mas ao reino de Deus (ou «reino dos céus»). Demonstra-o uma circunstância puramente estatística: o reino de Deus aparece no Novo Testamento cento e vinte e duas vezes: destas, noventa e nove nos evangelhos sinóticos, noventa das quais se acham em palavras de Jesus. Podemos, assim, compreender a afirmação de Loisy, que se tornou com o tempo popular: Jesus anunciou o reino, e veio a Igreja. Mas uma leitura histórica dos textos demonstra que essa contraposição entre reino e Igreja não é objetiva. Segundo a concepção judaica, de fato, a especificidade do reino de Deus consiste em reunir e purificar os homens para esse reino. «Justamente porque considerava próximo o fim, Jesus teve de querer reunir o povo de Deus do tempo da salvação». Na profecia pós-exílica, a vinda do reino é precedida pelo profeta Elias ou pelo «anjo» que permaneceu anônimo, o qual prepara o povo para esse reino. João Batista, justamente porque é o anunciador do Messias, reúne a comunidade do fim dos tempos e a purifica. Assim também a comunidade de Qumran, justamente em razão da sua fé escatológica, se reunira como comunidade da nova aliança. Por isso J. Jeremias conclui com esta formulação: «Isto deve ser fortemente realçado: toda a obra de Jesus visa apenas a recolher o povo escatológico de Deus».
Desse povo Jesus fala em muitas imagens, em particular nas parábolas de crescimento, nas quais o «logo» da escatologia aproximada, característica de João Batista e de Qumran, desemboca no agora da cristologia. O próprio Jesus é a obra de Deus, a sua vinda, a sua senhoria. «Reino de Deus» na boca de Jesus não significa alguma coisa ou algum lugar, mas o agir atual de Deus. Por isso não é errado traduzir a afirmação programática de Mc 1,15 «O reino de Deus chegou»: Deus chegou. Daqui surge mais uma vez a conexão com Jesus, com a sua pessoa: Ele próprio é a proximidade de Deus. Onde está Jesus, ali está o reino. A este respeito, a frase de Loisy deve ser portanto modificada: Foi prometido o reino, e veio Jesus. Só assim se compreende corretamente o paradoxo de promessa e cumprimento.
Mas Jesus nunca está só. Ele veio para reunir os que estavam dispersos (cfr. Jo 11,52; Mt 12,30). Por isso toda a sua obra consiste em reunir o povo novo. Já temos, assim, dois elementos essenciais para a futura noção de Igreja, ou seja: no novo povo de Deus, no sentido de Jesus, está implícita a dinâmica pela qual todos se tornam uma só coisa, aquele ir uns em direção aos outros indo na direção de Deus. E além disso o ponto de recolhimento interior do novo povo é Cristo; este, por outro lado, só se torna um povo através da chamada de Cristo e através da resposta à chamada, à pessoa de Cristo…
A outra observação já nos introduz no próximo tema: os discípulos pedem a Jesus uma oração comum para eles. «Em meio aos grupos religiosos do ambiente circunstante, uma ordem própria de oração constitui na realidade um sinal distintivo essencial da comunidade» Por isso o pedido de uma oração exprime a consciência por parte dos discípulos de se terem tornado uma nova comunidade voltada para Jesus. Aqui, eles são como a célula primigênia da Igreja, e ao mesmo tempo nos mostram que a Igreja é uma comunidade unificada essencialmente a partir da oração. A oração com Jesus nos dá a comum abertura a Deus.
Seguem-se automaticamente daqui outras duas passagens. Antes de tudo, devemos levar em conta o fato de que a comunidade dos discípulos de Jesus não é um grupo amorfo. Em meio a eles há o núcleo compacto dos Doze, ao lado do qual, segundo Lucas (10,1-20), se coloca também o círculo dos setenta ou setenta e dois discípulos. Deve-se ter em mente que só depois da ressurreição os Doze recebem o título de «apóstolos». Antes são chamados simplesmente «os Doze». Este número, que faz deles uma comunidade claramente circunscrita, é tão importante que, depois da traição de Judas, é novamente completado (At 1,15-26). Marcos descreve expressamente a vocação deles com as palavras: «e Jesus os constituiu como Doze» (3,14). A sua primeira tarefa é a de formarem juntos os Doze; a isto se somam em seguida duas funções: «que estivessem com ele e pudesse enviá-los a pregar» (Mc 3,14). O simbolismo dos Doze é portanto de importância decisiva: é o número dos filhos de Jacó, o número das tribos de Israel. Com a formação do grupo dos Doze, Jesus apresenta-se como o tronco de um novo Israel; à sua origem e fundamento são pré-escolhidos doze discípulos. Não podia ser expresso com maior clareza o nascimento de um povo que agora se forma não mais por descendência física, mas através do dom de «ser com» Jesus, recebido pelos Doze que por Ele são enviados a transmiti-lo. Aqui já é possível reconhecer também o tema da unidade e da multiplicidade, onde na indivisível comunidade dos Doze, que só enquanto tal realizam o seu simbolismo — a sua missão — domina certamente o ponto de vista do povo novo na sua unidade.
O grupo dos setenta ou setenta e dois, de que fala Lucas, integra esse simbolismo: setenta (setenta e dois) era, segundo a tradição judaica (Gn 10; Ex 1,5; Dt 32,8), o número dos povos do mundo. O fato de que o Antigo Testamento grego, nascido em Alexandria, tenha sido atribuído a setenta (ou setenta e dois) tradutores devia significar que com aquele texto em língua grega o livro sagrado de Israel se tornara a Bíblia de todos os povos, como de fato depois aconteceu, tendo os cristãos adotado aquela tradução. O número de setenta discípulos manifesta a pretensão de Jesus com relação à humanidade inteira, que como tal deve formar a fileira de seus discípulos; eles estão indicando que o novo Israel abarcará todos os povos da terra.
A oração comum que os discípulos receberam de Jesus nos leva a uma outra pista. Durante a sua vida terrena, Jesus participara com os Doze do culto do templo de Israel. O Pai Nosso era o primeiro início de uma comunidade especial de oração com e a partir de Jesus. Além disso, na noite, antes da paixão, Jesus dá outro passo nessa direção, quando transforma a Páscoa de Israel num culto totalmente novo, que logicamente devia levar para fora da comunidade do templo e com isso fundar definitivamente um povo da «nova aliança». As palavras de instituição da eucaristia, quer na tradição marciana, quer na paulina, têm sempre a ver com a aliança; elas remetem ao Sinai e à nova aliança prenunciada por Jeremias. Os sinóticos e o evangelho de João estabelecem, além disso, mesmo que de modos diversos, o nexo com o evento pascal, e enfim evocam também as palavras do Servo que sofre, em Isaías. Com a Páscoa e o rito da aliança sinaítica são recebidos os dois atos fundadores de Israel através dos quais ele se tornou e se torna sempre de novo um povo. O vínculo desse fundo cultual originário, sobre o qual se baseava e vivia Israel, com as palavras-chaves da tradição profética funde passado, presente e futuro na perspectiva de uma nova aliança. O sentido do todo é claro: «Como no passado o antigo Israel venerava no templo o seu próprio centro e a garantia da sua unidade e na celebração comunitária da Páscoa realizava de maneira viva tal unidade, assim agora este novo banquete deve ser o vínculo de unidade de um novo povo de Deus. Não é mais preciso um lugar central constituído pelo único templo exterior… O corpo de Cristo, que é o centro do banquete do Senhor, é o único novo templo que reúne numa unidade os cristãos bem mais realmente do que possa fazer um templo de pedras».
À mesma ordem de idéias pertence outra série de textos da tradição evangélica. Tanto Mateus e Marcos como também João transmitem (naturalmente em diferentes contextos) a expressão de Jesus, segundo a qual Ele reconstruirá em três dias o templo destruído e o substituirá por um melhor (Mc 14,58 e Mt 26,61; Mc 15,29 e Mt 27,40; Jo 2,19; cf. Mc 11,15-19 par.;Mt 12,6). Tanto nos sinóticos quanto em João é claro que o novo templo, "não feito por mãos de homem", é o corpo glorioso do próprio Jesus…». Isto significa: «Jesus anuncia o esboroamento do culto antigo e com ele do antigo povo e ordenação salvífica, e promete um novo culto mais elevado, em cujo centro estará o seu corpo glorioso».
Segue-se daí que a fundação da santíssima eucaristia na noite que precede a paixão não pode ser vista como uma ação qualquer, mais ou menos isolada. Ela é a estipulação de um pacto e, como tal, a concreta fundação do novo povo, que se torna tal através da sua relação de aliança com Deus. Poderíamos dizer também: em virtude do evento eucarístico, Jesus implica os discípulos na sua relação com Deus e portanto também na sua missão, que visa a «os muitos», ou seja, a humanidade de todos os lugares e de todos os tempos. Esses discípulos tornam-se «povo» através da comunhão com o corpo e sangue de Jesus, que é ao mesmo tempo comunhão com Deus. A idéia veterotestamentária da aliança, que Jesus acolhe na sua pregação, recebe um novo centro: a comunhão com o corpo de Cristo. Poderíamos dizer: o povo da nova aliança torna-se povo a partir do corpo e do sangue de Cristo, e é só a partir deste centro que ele é povo. Pode ser chamado «povo de Deus» porque, para a comunhão com Cristo se abre a relação com Deus, que o homem não é capaz de estabelecer por si só.

Trechos de "J. Ratzinger, La Chiesa, Edizioni Paoline 1991, pp.14-20", extraídos de: http://web.i2000net.it/ioculano/chiesa/chiesa3.htm
Traduzido em Bento XVI

4 de setembro de 2007

"A Natureza do Direito", Eric Voegelin

Uma indagação acerca da natureza do direito está repleta de dúvidas sobre a sua exequibilidade, pois os filósofos clássicos, Platão e Aristóteles, não tinham uma filosofia do direito. Os problemas que, na nossa moderna teoria jurídica são tratados sob esta epígrafe apareceram em Platão sob títulos tais como "justiça" ou "ordem verdadeira da polis", e em Aristóteles como parte da episteme politike, com as suas subdivisões em ética e política. Por isso, quem tenha alguma confiança na perspicácia e competência dos dois pensadores ficará preocupado, no princípio de uma tal indagação, com o pensamento de que o direito talvez não tenha uma natureza. Uma vez que a única razão para uma coisa não ter natureza é a sua falta de estatuto ontológico - o facto de não ser uma coisa concreta, reservada, num qualquer domínio do ser -, surge o problema desagradável de saber se o direito existe.

Prólogo de "A Natureza do Direito", Eric Voegelin, in "A Natureza do Direito e outros textos jurídicos", Lisboa, Vega, 1998

Anti-Clericalismo

Em primeiro lugar quero publicamente dar um abraço ao Tilleul pelo início da sua colaboração aqui.

Foi muito simpático da tua parte.

E é muito interessante começares por um assunto tão importante na sociedade, como absurdo no conceito, o ateísmo.

Concordo com a análise que fazes que muito do ateísmo (não todo) supostamente existente é mais um anti-clericalismo que outra coisa. Será até o mais frequente em Portugal.

Esse anti-clericalismo está fora do tempo: reage contra uma Igreja que não existe, e que me pergunto se alguma vez existiu.

Mas não ponho em causa a boa-fé destas pessoas: reagem contra uma imagem fantasiosa de uma caricatura de "igreja" formada por catequeses mal apreendidas e imagens caricaturais.

Daí o encontrares a mesma imagem de "igreja" nalguns sites tradicionalistas (não todos) e nos sites sedevacantistas.

A falta de catequese e a imagem caricatural da "igreja" são comuns a ambos os casos.

À mesa com o cardeal

Adora sopas e bebe limonada, no Natal ficará em Roma «para não ser um estorvo em outro lugar», tem como autor predileto Santo Agostinho. Retrato particular de um príncipe da Igreja.
Entrevista de Alessandra Borghese
Segunda-feira, 25 de Outubro [2004), jantei com o cardeal Joseph Ratzinger, o seu secretário dom Georg Gaenswein e a princesa Thurn und Taxis. Foram algumas horas com o prefeito do ex Santo Ofício para descobrir um homem afável, doce e sobretudo dotado de bom humor. Quem o descreve como gelado, reservado, inacessível e intelectual demais não o conheceu. 
Tudo começa às 19.30: em Roma faz calor, o cardeal acabou de dialogar com Ernesto Galli della Loggia sobre «História, religião e política» diante do Palazzo Colonna (as duas intervenções foram publicadas por extenso em Foglio de 27 de outubro). Alfredo, o motorista, está na direção da velha Mercedes azul com placa Scv (Stato della Città del Vaticano): o carro encosta no nosso ciclomotor e Alfredo nos faz sinal para segui-lo. 

Alguns slalons no caótico trânsito de Roma e entramos no Vaticano pela porta Sant'Anna. O motorista explica aos guardas suíços e depois aos vigias da Santa Sé que o ciclomotor faz parte do séquito do cardeal. Um, dois, três blocos e estamos na Domus Santa Marta. 
Lugar importante, este, a não perder de vista: justamente ali, no próximo conclave, os cardeais votantes (com menos de 80 anos) terão a sua residência. E será justamente o cardeal Ratzinger, decano do Sacro colégio, que guiará e supervisionará os trabalhos. «Antigamente ficavámos realmente isolados e trancados à chave, qualquer relação com o exterior era impensável», suspira Ratzinger, que não esconde a preocupação com que o uso de celulares possa de algum modo interferir nas votações. 

Eis-nos no jantar. Numa salinha, sobre a mesa posta, o antepasto já está servido: bresaola com pedaços de grapefruit vermelho. O cardeal abençoa a comida e depois se senta. Normalmente não gosta de comer muito à noite, quase nunca mais que uma sopa. Observando-o à mesa, «o Tomás de Aquino da atualidade», como o define alguém da imprensa internacional, o homem culto e de incrívele finura intelectual cujos livros são objeto de estudo e debate mesmo entre os leigos mais aguerridos, não tem um ar cansado mas antes divertido. Enche um copo com seu «vinho» favorito: limonada. «O meu ritmo de trabalho e a necessidade de estar sempre muito lúcido não me permitem sequer um copo de vinho. Acordo às 6 da manhã, até poucos anos atrás até antes. Depois da missa, a meditação e o breviário, o meu dia de trabalho não me permite um só instante de pausa: encontros, reuniões, conferências, escritos para rever, documentos para assinar».

Nesse momento Sua Eminência começa a fazer perguntas a Gloria Thurn und Taxis, quer saber dos filhos, do que estão fazendo e se vão passar o Natal na amada Ratisbona onde, entre outras coisas, reside também o irmão do cardeal. Thurn und Taxis responde que estarão na África e que não vê a hora de estar com o povo do lugar. Ratzinger olha para ela e exclama: «Achava que a senhora fosse à África para ver as girafas e os elefantes!». Todos estouramos numa gargalhada. É um Ratzinger tranqüilo, bem humorado, aberto aquele que janta conosco. Vendo-o tão disponível, pergunto-lhe o que fará no Natal. «Vou ficar em Roma» responde, «aqui é o lugar de um cardeal. Em qualquer outra cidade ou lugarejo eu seria um estorvo: há já os bispos e os párocos para as celebrações». Em certo sentido, o Santo Padre «acorrentou» perto de si o amigo fiel, o seu máximo defensor. Enquanto uma freira troca os pratos e serve uma sopa de verduras, seguida de peitos de frango com salada campestre, insisto nas perguntas.

Eminência, como o senhor reza, tem um santo favorito? «Rezo diretamente a Deus, é com Ele o meu colóquio. Diria que o santo a que me sinto mais ligado é Agostinho». Não São José?, intervém surpresa a princesa bávara. «Sem dúvida» responde prontamente Ratzinger «como esquecer o companheiro de Maria, o pai adotivo de Jesus! Mas, a respeito de São José, gostaria de lhes contar uma historinha. Alemanha, nos anos do nazismo. Um certo momento corre o boato de que num instituto para crianças deficientes os próprios meninos foram habituados a cuspir na fotografia de Hitler. A notícia é obviamente falsa, posta em circulação para eliminar as crianças doentes. Mas as autoridades querem examinar o assunto e os nazistas decidem realizar um interrogatório na escola para verificar os fatos. As freiras ficam apavoradas. O protetor do Instituto é São José e um grande quadro que o representava está bem à vista no refeitório. Um dos guardas se aproxima dos meninos. Mostra-lhes uma fotografia do Führer e lhes pergunta: quem é ele. E as crianças, sem sombra de dúvida, respondem: "São José"». 

Enquanto chega ao prato do cardeal um abacaxi cortado em fatias, a nós três é servido o sorvete. Já são 21.30, ultrapassamos o tempo máximo. Sua Eminência diz sentado a oração de agradecimento, depois se levanta e pede a dom Georg que o acompanhe até a casa. Antes de se despedir de nós, certifica-se de que sabemos como sair do Vaticano, já que a porta Perugino está fechada. «Vocês têm que passar a antiga igreja de Santo Stefano degli Abissini, deixare o governatorato à esquerda, virar no pátio da Sentinella, passar o pátio do Belvedere e sair pela porta Sant'Anna». 
Sua Eminência vai caminhando a pé pela rua que ladeia a grande Cúpula de San Pietro. Do nosso ciclomotor, mais um adeus: «Jesus Cristo seja louvado!». No silêncio profundo ecoa a resposta do cardeal e de dom Georg: «Seja sempre louvado!».
(C) Panorama, 8/11/2004
http://www.panorama.it/italia/vaticano/articolo/ix1-A020001027699
traduzido em Bento XVI

1 de setembro de 2007

Fundamentalismo Ateu

Confesso que gosto de ler e ouvir os que pensam diferente de mim. Não é nenhuma tendência masoquista mas sempre acreditei que para se dialogar é necessário antes demais conhecer a verdade. Assim tenho um, chamemos-lhe "carinho" especial com meia dúzia de sites ateístas e alguns sites tradicionalistas católicos.

Por incrível que possa parecer, as opiniões, que à partida deveriam ser diferentes, são muito idênticas em particular no que diz respeito à ideia que fazem de Deus e da Igreja. No entanto e para minha grande desilusão, demasiadas vezes, em vez existir uma defesa das suas posições, o que se passa são puros ataques de ódio às posições dos outros.


No meu entendimento, um site ateísta deveria apresentar uma visão do mundo sem Deus ou, num mínimo aceitável para uma saudável convivência com o resto do mundo que o rodeia, uma recusa baseada numa refutação lógica das opiniões crentes. Exemplo disso tipo de posição é o blog De Rerum Natura, que em geral é um local onde o saber é cultivado e partilhado nas suas mais diversas vertentes com a consciência que os seus autores são assumidamente ateus. No entanto este site é uma excepção e o mais comum de encontrar na blogosfera são sites onde o gozo e o menosprezo são letras de músicas de uma nota só.

Por norma os sites ateístas em português são anti-clericais, arriscando-me mesmo a afirmar que é mais fácil encontrar um lobo ibérico que um verdadeiro ateu português.

A conclusão a que se pode chegar é que não existe ateísmo em Portugal mas simplesmente anticlericalismo. Porquê? Tão simplesmente porque um ateu é um crente na não-existência de Deus e nunca poderá ser ateu por oposição aos que acreditam. Um ateu tem uma fé não divina, num sentido de não existência de um criador. Mas o que acontece na realidade em sites como o Diário Ateista, é que o ateu tem simplesmente ódio e desprezo pelo crente.

Muitos sites, como Random Precision ou Devaneios Desintéricos, para além de serem anti-clericais, defendem um elitismo bacoco e quase xenófobo dando uso a um tipo propaganda que quer fazer passar o ateu como o ser esclarecido, científico, lógico, quase uma raça à parte e mais evoluída por oposição ao homo religiosus que é por sua vez um ser baixo na escala de evolução que não se consegue livrar dos mitos dos antepassados e das suas mentiras e por isso só pode ser alvo de chacota. A imagem de Deus, muitas vezes apresentada nestes blogs, é de um Deus mau, tirano e ainda para mais criado para oprimir e explorar as classes mais pobres e menos instruídas.

Claro que um dos alvos favoritos é a Igreja Católica, a que muitos destes blogs tratam carinhosamente por "ICAR".

Mas agora vem o mais incrível. É que as críticas apresentadas, quando não meros insultos, visam uma Igreja que cada vez menos existe e a existir também eu só contra ela.

Numa ira destruidora que nem o verde Hulk, a "ICAR" é pintada como uma hierarquia sexualmente reprimida, pedófila, que propaga uma ideologia criada pelo homem para oprimir o outro em especial os de outra raça, credo, género ou orientação sexual; que se baseia num livro que está cheio de contradições e com um conjunto de fieis que merecem apenas pena por incapacidade de se libertarem e pensarem por si próprios.

É óbvio que para estes dogmáticos ateus, qualquer tentativa de evolução é vista como uma luta pela sobrevivência e que apesar do caminho percorrido com o Concílio Vaticano II, o alvo católico continua parado no pós Trento.

É pena que assim seja, porque para a construção de uma sociedade melhor é necessário o diálogo entre todas as forças sociais. É claro que existem ateus esclarecidos, que não acreditando, aceitam que outros possam ter uma fé, seja ela qual for e não alguém que à força do mau gosto e do insulto se quer fazer passar por inteligente só porque os outros são, na sua opinião, inferiores a ele.

Num estado laico e democrático e que se quer plural, o respeito pelas minorias é um dever mas será que não se deve respeitar também a fé de cada um?

Enquanto crente e em especial sendo cristão, que se deve e pode fazer?

Em comunhão