21 de maio de 2008

A Reflexão

...la Réflexion, ainsi que le mot l’indique, est le pouvoir acquis par une conscience de se replier sur soi, et de prendre possession d’elle-même comme d’un objet doué de sa consistance et de sa valeur particulières: non plus seulement connaître – mais se connaître ; non plus seulement savoir, mais savoir que l’on sait. Par cette individualisation de lui-même au fond de lui-même, l’élément vivant, jusque-là répandu et divisé sur un cercle diffus de perceptions et d’activités, se trouve constitué, pour la première fois, en centre ponctiforme, où toutes les représentations et expériences se nouent et se consolident en un ensemble conscient de son organisation.

Teilhard de Chardin, "Le Phénomène humain"

20 de maio de 2008

Noogénese e Noosfera

Sautant directement du vieux dualisme statique, qui me paralysait, pour émerger dans un Univers en état, non seulement d'évolution, mais d'évolution dirigée (c'est-à-dire de Genèse), j'étais amené à opérer un véritable «tête-à-queue» dans ma poursuite fondamentale de la Consistance. Jusqu'alors, je l'ai dit, c'est du côté de l'«extrêmement simple» (c'est-à-dire du physiquement indécomposable) que tendait à s'orienter et à se fixer mon sens directeur de la Plénitude. Désormais, puisque l'essence unique et précieuse de l'Univers avait pris pour moi la forme d'un Évolutif où Matière se muait en Pensée par effet prolongé de Noogénèse, c'est avec une extrême Complexité organique que je me trouvais inévitablement et paradoxalement amené à identifier l'extrême Solidité des choses.
[...]
deux immenses Unités vivantes commençaient à monter sur mon horizon interne, - unités dé dimensions planétaires où, par excès justement de composition et d'organicité, je pouvais voir un extraordinaire pouvoir de « consolidation par complexification » se manifester au sein de l'Étoffe cosmique : L'une où venaient peu à peu se grouper et s'harmoniser sans effort mes multiples expériences de biologiste sur le terrain et en laboratoire : l'enveloppe vivante de la Terre, - la Biosphère.
Et l'autre, pour la perspective définitive de laquelle il ne faudrait rien moins, sur mon esprit, que le grand choc de la Guerre : l'Humanité totalisée, - la Noosphère. 

Teilhard de Chardin, "Le coeur de la matiére"

Matéria e Espírito


“Par éducation et par religion, j'avais toujours docilement admis, jusque-là, - sans bien y réfléchir, du reste -, une hétérogénéité de fond entre Matière et Esprit. - Corps et Ame, Inconscient et Conscient: deux «substances» de nature différente, deux «espèces» d'Être, incompréhensiblement associées dans le Composé vivant, et dont il fallait à tout prix, m'assurait’ on, maintenir que la première (ma divine Matière!) n'était que l'humble servante (pour ne pas dire l'adversaire) de la seconde : celle-ci (c'est-à-dire l'Esprit) se trouvant dès lors réduite à mes yeux, par le fait même, à n'être plus qu'une Ombre, qu'il fallait bien vénérer par principe, mais pour laquelle (émotivement et intellectuellement parlant) je n'éprouvais en réalité aucun intérêt vivant.
Qu'on juge, par suite, de mon impression intérieure de libération et d'épanouissement lorsque, à mes premiers pas, encore hésitants, dans un Univers « évolutif », je constatai que le dualisme dans lequel on m'avait maintenu jusqu'alors se dissipait comme brouillard au soleil levant.
Matière et Esprit : non point deux choses, - mais deux états, deux faces d'une même Étoffe cosmique, suivant qu'on la regarde, ou qu'on la prolonge, dans le sens où (comme eût dit Bergson) elle se fait, - ou au contraire dans le sens suivant lequel elle se défait. ”

Teilhard de Chardin, "Le coeur de la matiére"

19 de maio de 2008

Separação entre a Igreja e o Estado

O famoso aforismo, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22, 21) e a declaração de Jesus, diante de Pilatos, o meu Reino não é deste mundo (Jo 18, 36), pertencem às origens do cristianismo. É o princípio da separação do poder político e das instituições religiosas. Apesar de todas as interferências e confusões político-religiosas, no regime de Cristandade, este princípio criou, desde o começo, uma tensão propícia à eclosão do Estado moderno emancipado de toda a tutela religiosa. 

Frei Bento Domingues

17 de maio de 2008

“Humanae Vitae”


O grande cisma, na Igreja pós Vaticano II, não é o dos “lefebvristas” franceses, para os quais, agora, se dirigem os passos da reconciliação. A opção manifestamente errada, sem remédio à vista, começou em 1968 com a publicação da encíclica “Humanae Vitae”. Como diz o bispo Georges Gilson, “o que decidimos em 1968 não é nem praticado nem sequer pensado. Para mim, é um drama, não há outra palavra”

Frei Bento Domingues

16 de maio de 2008

Roma locuta

O processo doutrinário contra o livro Igreja:carisma e poder (Record, 2004 com as atas do processo) não se concluiu com o "diálogo" com o Cardeal inquisidor. Faltava ainda a palavra final do corpo de Cardeais e do Papa. E esta veio em maio de 1985, quando subitamente apareceu na portaria do Convento de Petrópolis onde ensinava, um representante do Núncio Apostólico de Brasília. Entregou-me um livreto, impresso na Poliglota Vaticana: "Notificação sobre o livro Igreja: carisma e poder, ensaios de eclesiologia militante". E disse-me: enquanto rezo na igreja ao lado, leia o texto. Depois conversaremos. Li com vagar. Pareceu-me um pastiche de frases, tiradas daqui e dali, formando um sentido que não reproduzia meu pensamento. Veio o representante do Núncio e me perguntou: aceita ou rejeita o texto? Eu lhe disse, sereno: aceito, porque não sou eu que está ai dentro. Há afirmações que eu também condeno. Mas aceita? insistiu. Condenando, aceito, disse eu. Graças a Deus, suspirou ele. E eu: por que tantas graças a Deus? Porque se não acolhesse o texto, confessou, teríamos um grave problema eclesial e eu lhe imporia as penas canônicas contidas neste envelope.

Com isso esperava que tudo tivesse terminado. Qual não foi a minha supresa quando dias após, por telefone, um alto funcionário do Vaticano me ditava as penas: deposição da cátedra de teologia, de editor da Vozes, de redator da Revista Eclesiástica Brasileira e a imposição de "silêncio obsequioso" por tempo indeterminado pelo qual não poderia falar em público nem publicar mais nada. Firmado no direito canônico, apenas respondi: só acatarei as penas quando o documento oficial chegar às minhas mãos. Demorou 20 dias.

Bispos importantes fizeram-me entender: o problema era mais político que doutrinário. Tratava-se de frear a CNBB em seu ímpeto libertador e eu era apenas o pretexto. Por isso pensadamente declarei: "Prefiro caminhar com a Igreja que, sozinho, com minha teologia". Teria afastado um golpe contra a CNBB e poupado as CEBs e a teologia da libertação.

Depois de onze meses, devido às muitas pressões sobre o Papa, na noite de Páscoa de 1986, fui liberado do silêncio obsequioso e das demais restrições. Livre, continuei minhas múltiplas atividades. Até que durante a Eco-92 no Rio de Janeiro, foi-me comunicado pelo Cardeal Baggio e pelo Geral da Ordem Franciscana que novamente deveria me submeter ao silêncio obsequioso e renunciar ao ensino da teologia. Deveria sair do país e do Continente. Foram-me sugeridos conventos nas Filipinas ou na Coréia. Mesmo lá deveria guardar o silêncio obsequioso e as demais penas.

Pensei comigo: também para um teólogo devem valer os direitos humanos e o direito inalienável de se expressar. Em razão disto, com dor disse: troco de trincheira mas não de combate. Não deixarei a Igreja, mas uma função dentro dela. Continuarei como teólogo e escritor, com um pé no ensino e com o outro nos meios pobres e populares. Assumi a cátedra de Etica, Filosofia da Religião e de questões contemporâneas na UERJ. Em seguida passei a ensinar como professor visitante em algumas universidades estrangeiras. Mas sempre com os pés e a mente aqui, meu campo de ação.

Passados vinte anos, confesso que me esforcei muito para que minha alma não ficasse pequena, consoante o que cantou o poeta: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". 

Leonardo Boff, Artigo publicado no Jornal do Brasil em 1 de Outubro de 2004; in Artigos, www.leonardoboff.com

15 de maio de 2008

Na sala da ex-Inquisição

Os fatos objetivos sempre vêm revestidos dos sentimentos daqueles que os vivem. Como senti eu os eventos de meu processo na ex-Inquisição em Roma em 1984?

Pontualmente às 9.00 horas oficiais do Vaticano vieram me buscar. Antes mesmo de me despedir de meu Superior, me agarraram e me empurram para dentro do carro que saiu em disparada até o Vaticano, próximo daí. Senti-me como alguém sequestrado pelas "brigatte rosse".

Escoltado por guardas suiços, fui conduzido ao elevador. No andar de cima, outros dois guardas me esperavam com o Cardeal Inquisidor, Joseph Ratzinger todo paramentado de cardeal e eu com o simples burel. Saudei-o em bávaro para desanuviar a tensão. Mas imediatamente fui conduzido por um longo salão de uns cem metros todo acarpetado, com paredes repletas de quadros renascentistas. No fim, uma pequeníssima porta. Mal podia passar. É um sala pequena, cercada de livros,com minúsculo pódio onde se sentam o inquisido e o inquisidor. Abaixo, o notário anota tudo. Sem delongas começa o trabalho. Eu atalho o Cardeal e lhe digo: Sr. Cardeal, no meu pais somos ainda cristãos; em coisas sérias invocamos Deus. Ao que o Cardeal, surpreso, inicia ritualmente a recitação do Veni Sancte Spiritus. Para uma visão jurídica da Igreja, Deus realmente sobra. Comecei a ler o que havia preparado. O Cardeal fez apenas duas interrupções. Uma para saber o que era uma Comunidade Eclesial de Base que ele imaginava uma célula comunista onde se preparavam os militantes porque ai se fala sempre em luta. E outra com a qual estou em disputa com ele até os dias de hoje. Afirma ele: só na Igreja Católica se encontra a Igreja de Cristo. Nas outras há apenas elementos, como portas e paredes mas não chegam a formar uma casa. Por isso não são igrejas nem devem, de direito, ser assim chamadas. Coisa que considero ofensivo, arrogante e simplesmente errôneo face à Tradição.

Houve pausa de café no grande salão. De todos os lados, vinham funcionários com o seu exemplar do livro condenado Igreja: carisma e poder pedindo autógrafos, coisa que irritou sobremaneira o Cardeal. Em todos escrevi a mesma coisa:"Conserve a herança de Jesus, a liberdade, conquistada não com palavras mas com o próprio sangue". A sós, o Cardeal e eu olhávamos as telas, até pararmos diante de uma enorme com um São Francisco, todo lascado, mas transfigurado no alto. No chão, de joelhos, o Papa com a tríplice coroa na cabeça. Eu disse ao Cardeal: eis o símbolo da Igreja que defendemos,dos pobres, figurada por S. Francisco e o Papa de joelhos a seu serviço. E o Cardeal: você, teólogo da libertação, politiza tudo; aqui temos uma obra de arte e não uma peça de teologia. Ao que lhe disse apontando para as grandes janelas quadriculadas de ferro: o Sr. não tem olhos para a teologia da libertação porque vê o mundo dos pobres por aquelas janelas quadradas por onde não chega seu grito.

Tivemos mais uma hora de trabalho. No final um encontro com os dois cardeais brasileiros Arns e Lorscheider que vieram me apoiar. Dom Arns foi logo direito: Sr. Cardeal Ratzinger, não gostamos de seu documento sobre a teologia da libertação. Pedimos um outro que faça justiça às igrejas que tomam a sério a opção pelos pobres e por sua libertação. Ao construir uma ponte o Sr. não chamou um engenheiro mas um gramático. Convide nossos construtores e eles o ajudarão a fazer uma boa teologia da libertação, útil à toda a Igreja.

Leonardo Boff, Artigo publicado no Jornal do Brasil em 24 de Setembro de 2004; in Artigos, www.leonardoboff.com

14 de maio de 2008

Na cadeira de Galileo Galilei


No dia 7 de setembro [de 2004] serão 20 anos em que sentei na cadeirinha onde sentou também Galileo Galilei e Giodano Bruno no Palácio do Santo Ofício (ex-Inquisição) em Roma para defender opiniões do meu livro Igreja: carisma e poder. Ser convocado à presença da mais alta instância doutrinária da Igreja não é um fato corriqueiro na biografia de um teólogo. Reportando-me ao poeta chileno Pablo Neruda, é certamente memorável e, ao mesmo tempo, dilacerador encarnar, por um momento sequer, a razão e o destino de toda uma caminhada de pensamento e de prática eclesial com os pobres. 

Subjetivamente é muito oneroso sentir o peso da instituição milenar da Igreja caindo sobre sua cabeça. Mais penoso ainda é sentir os limites desta instituição, pois, percebe que não raro, ela está mais interessada na segurança do que na verdade, mais na manutenção da própria imagem do que servir à causa dos humilhados e condenados da Terra.

Passados vinte anos, vejo que houve aí algo providencial. O fato foi noticiado e comentado nos principais órgãos de comunicação do mundo. Por aí, a opinião pública pôde entrar em contacto com um outro tipo de Igreja, destituida de poder, simples e profética, que faz corpo com os pobres e que, por isso, participa também da maledicência e da perseguição que padecem. Pôde conhecer também uma teologia que coloca a vida no centro, feita no sentido da libertação histórico-social dos oprimidos e não apenas para a edificação interna da galáxia eclesial. A teologia da libertação virou assunto de conversas nas ruas, nos bares e em rodas de intelectuais. 

A opinião públicou captou a dimensão ética da libertação: ela concerne às grandes maiorias sofredoras da humanidade. Entendeu a argumentação básica: os cristãos, pelo fato de serem seguidores do Nazareno, torturado e morto na cruz, são urgidos a serem agentes de libertação. É possível uma teologia que nasça deste compromisso, fiel à grande Tradição e articulada contra a injustiça social e em favor de mudanças estruturais. A imagem de Deus que daí surge, é compreensível por todos: Deus está mais interessado na justiça que no rito, mais ligado ao grito do oprimido que às louvações dos piedosos. São as práticas e não as prédicas que contam.

Por fim, por mais que as autoridades se considerem "Eminências Reverendissimas" não deixam de ter as limitações da humana condição. Bem o disse o grande teólogo francês Yves Congar que me defendou no "La Croix"(08.09.84): "O carisma do poder central do Vaticano é o de não ter nenhuma dúvida. Ora, não ter nenhuma dúvida é, a um tempo, magnífico e terrível. É magnífico porque o carisma do centro consiste precisamente em permanecer firme quando tudo ao redor vacila. E é terrível porque, em Roma, estão homens que têm limites de toda espécie, em sua inteligência,no seu vocabulário, em suas referências e no seu ángulo de visão. E pesaram contra Boff". Mas recuso-me a vê-los na ótica do Grande Inquisidor. Do seu jeito, pretendem também eles servir à verdade. No fim, cabe a ela e não a eles a última palavra. 

A Roma fui e voltei como teólogo católico. Nenhuma doutrina foi condenada, só "opções que põem em perigo a fé cristã". Mas opções pertencem à ética, não à doutrina. Sou consciente de que nisso tudo fui mero servidor. Fiz aquilo que simplesmente devia fazer, como cabe a um servidor.


Leonardo Boff, Artigo publicado no Jornal do Brasil em 10 de Setembro de 2004; in Artigos, www.leonardoboff.com