4 de setembro de 2007

À mesa com o cardeal

Adora sopas e bebe limonada, no Natal ficará em Roma «para não ser um estorvo em outro lugar», tem como autor predileto Santo Agostinho. Retrato particular de um príncipe da Igreja.
Entrevista de Alessandra Borghese
Segunda-feira, 25 de Outubro [2004), jantei com o cardeal Joseph Ratzinger, o seu secretário dom Georg Gaenswein e a princesa Thurn und Taxis. Foram algumas horas com o prefeito do ex Santo Ofício para descobrir um homem afável, doce e sobretudo dotado de bom humor. Quem o descreve como gelado, reservado, inacessível e intelectual demais não o conheceu. 
Tudo começa às 19.30: em Roma faz calor, o cardeal acabou de dialogar com Ernesto Galli della Loggia sobre «História, religião e política» diante do Palazzo Colonna (as duas intervenções foram publicadas por extenso em Foglio de 27 de outubro). Alfredo, o motorista, está na direção da velha Mercedes azul com placa Scv (Stato della Città del Vaticano): o carro encosta no nosso ciclomotor e Alfredo nos faz sinal para segui-lo. 

Alguns slalons no caótico trânsito de Roma e entramos no Vaticano pela porta Sant'Anna. O motorista explica aos guardas suíços e depois aos vigias da Santa Sé que o ciclomotor faz parte do séquito do cardeal. Um, dois, três blocos e estamos na Domus Santa Marta. 
Lugar importante, este, a não perder de vista: justamente ali, no próximo conclave, os cardeais votantes (com menos de 80 anos) terão a sua residência. E será justamente o cardeal Ratzinger, decano do Sacro colégio, que guiará e supervisionará os trabalhos. «Antigamente ficavámos realmente isolados e trancados à chave, qualquer relação com o exterior era impensável», suspira Ratzinger, que não esconde a preocupação com que o uso de celulares possa de algum modo interferir nas votações. 

Eis-nos no jantar. Numa salinha, sobre a mesa posta, o antepasto já está servido: bresaola com pedaços de grapefruit vermelho. O cardeal abençoa a comida e depois se senta. Normalmente não gosta de comer muito à noite, quase nunca mais que uma sopa. Observando-o à mesa, «o Tomás de Aquino da atualidade», como o define alguém da imprensa internacional, o homem culto e de incrívele finura intelectual cujos livros são objeto de estudo e debate mesmo entre os leigos mais aguerridos, não tem um ar cansado mas antes divertido. Enche um copo com seu «vinho» favorito: limonada. «O meu ritmo de trabalho e a necessidade de estar sempre muito lúcido não me permitem sequer um copo de vinho. Acordo às 6 da manhã, até poucos anos atrás até antes. Depois da missa, a meditação e o breviário, o meu dia de trabalho não me permite um só instante de pausa: encontros, reuniões, conferências, escritos para rever, documentos para assinar».

Nesse momento Sua Eminência começa a fazer perguntas a Gloria Thurn und Taxis, quer saber dos filhos, do que estão fazendo e se vão passar o Natal na amada Ratisbona onde, entre outras coisas, reside também o irmão do cardeal. Thurn und Taxis responde que estarão na África e que não vê a hora de estar com o povo do lugar. Ratzinger olha para ela e exclama: «Achava que a senhora fosse à África para ver as girafas e os elefantes!». Todos estouramos numa gargalhada. É um Ratzinger tranqüilo, bem humorado, aberto aquele que janta conosco. Vendo-o tão disponível, pergunto-lhe o que fará no Natal. «Vou ficar em Roma» responde, «aqui é o lugar de um cardeal. Em qualquer outra cidade ou lugarejo eu seria um estorvo: há já os bispos e os párocos para as celebrações». Em certo sentido, o Santo Padre «acorrentou» perto de si o amigo fiel, o seu máximo defensor. Enquanto uma freira troca os pratos e serve uma sopa de verduras, seguida de peitos de frango com salada campestre, insisto nas perguntas.

Eminência, como o senhor reza, tem um santo favorito? «Rezo diretamente a Deus, é com Ele o meu colóquio. Diria que o santo a que me sinto mais ligado é Agostinho». Não São José?, intervém surpresa a princesa bávara. «Sem dúvida» responde prontamente Ratzinger «como esquecer o companheiro de Maria, o pai adotivo de Jesus! Mas, a respeito de São José, gostaria de lhes contar uma historinha. Alemanha, nos anos do nazismo. Um certo momento corre o boato de que num instituto para crianças deficientes os próprios meninos foram habituados a cuspir na fotografia de Hitler. A notícia é obviamente falsa, posta em circulação para eliminar as crianças doentes. Mas as autoridades querem examinar o assunto e os nazistas decidem realizar um interrogatório na escola para verificar os fatos. As freiras ficam apavoradas. O protetor do Instituto é São José e um grande quadro que o representava está bem à vista no refeitório. Um dos guardas se aproxima dos meninos. Mostra-lhes uma fotografia do Führer e lhes pergunta: quem é ele. E as crianças, sem sombra de dúvida, respondem: "São José"». 

Enquanto chega ao prato do cardeal um abacaxi cortado em fatias, a nós três é servido o sorvete. Já são 21.30, ultrapassamos o tempo máximo. Sua Eminência diz sentado a oração de agradecimento, depois se levanta e pede a dom Georg que o acompanhe até a casa. Antes de se despedir de nós, certifica-se de que sabemos como sair do Vaticano, já que a porta Perugino está fechada. «Vocês têm que passar a antiga igreja de Santo Stefano degli Abissini, deixare o governatorato à esquerda, virar no pátio da Sentinella, passar o pátio do Belvedere e sair pela porta Sant'Anna». 
Sua Eminência vai caminhando a pé pela rua que ladeia a grande Cúpula de San Pietro. Do nosso ciclomotor, mais um adeus: «Jesus Cristo seja louvado!». No silêncio profundo ecoa a resposta do cardeal e de dom Georg: «Seja sempre louvado!».
(C) Panorama, 8/11/2004
http://www.panorama.it/italia/vaticano/articolo/ix1-A020001027699
traduzido em Bento XVI

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