8 de novembro de 2005

O pensamento cristão - diálogo com o mundo

1 - Originalidade da proposta cristã: a Salvação é para todos, não só para um grupo de eleitos.
O Cristianismo é uma religião para todos, por isso universal, por isso católica.
Não se reduz, nem de forma alguma se pode reduzir a um qualquer grupo “especial”.
O Povo de Deus é uma multidão que tem de comum o apelo de Deus.
De diferente tem a resposta de cada um na sua individualidade ao mesmo apelo.
Mas aquilo que é oferecido ao Povo de Deus, independentemente da resposta que der ao apelo divino, é a Salvação, a Comunhão com Deus.

a) Esoterismos e cia: a religiosidade do pronto a servir
Não há lugar no Cristianismo para mensagens secretas só para alguns eleitos.
A mensagem é universal e vai sendo adaptada a todos os povos, mantendo sempre o essencial do essencial.
Por esse motivo se distingue desde logo de todas as tentativas de criar uma religião com alguns “eleitos”; igualmente se distingue das pseudo-igrejas “a la carte”, as quais fazem uma escolha daquilo que querem, rejeitando o resto.
O essencial da religião cristã não é parcialmente descartável. Nem se pode escolher por parcelas.

b) Proposta de vida para todos
O Cristianismo é uma proposta de vida para todos. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” Jo 10,10
Diz o Evangelho de S. Mateus:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» Mt 5,14
Este é o “moto” deste Grupo de Evangelização.
A proposta radical que nos faz é a da evangelização com o nosso exemplo.
Com as nossas obras.
Dentro do nosso mundo, nos nossos locais de trabalho, na nossa família, junto dos nossos amigos e conhecidos.
Ser a luz do mundo significa estar com a Verdade, não com as modas.
Independentemente do que isso em cada momento representa, é a nossa única opção.
Kant chamar-lhe-ia o nosso imperativo categórico.

c) Não é uma Igreja para os “perfeitos”
Existe uma ideia, errada, de que a Igreja é um grupo de pessoas perfeitas. Seria bom que o fosse, talvez.
Mas a realidade é que a Igreja é um conjunto de Santos e de pecadores. E todos têm o seu local na Igreja.
E na verdade, quantos Santos conhecemos que não tivessem sido pecadores?
Nem aliás a função da Igreja seria essa. Diz o Evangelista Lucas (Lc 5,30 – 32)
30Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Porque comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?»
31Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»
Não existe aqui um grupo de eleitos ou de perfeitos, mas sim a Salvação Universal pela Graça de Deus.
Nem a Igreja faz sentido para se fechar sobre si própria ou para excluir quem quer que seja.
É junto de todos nós que a Igreja tem o seu sentido de existência.
Tentando, tal como Cristo fez, sentar-se à mesa (comungar) com aqueles que têm necessidade de Deus nas suas vidas, não os excluindo por serem pecadores. Pelo contrário, a vinda de Crista é para conduzir os homens a Deus, começando pelos mais afastados os “cobradores de impostos e os pecadores”, ou seja, nós todos.

d) Nem para os “bons”
A Igreja também não existe para os “bons”.
Quais “bons”, é questão de perguntar. Responde Cristo (Mc 10,17-18)
17Quando se punha a caminho, alguém correu para Ele e ajoelhou-se, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus.»
Se estamos à espera de sermos bons para nos aproximarmos ou reaproximarmos da Igreja, é melhor esperar sentado.

e) Convite à santidade
“Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” Mt 5,48
Deus transmite-nos um convite. O convite à santidade. O convite a caminharmos para ele, nosso fim último.
Cabe-nos a nós responder a tal convite, da forma que conseguirmos.
Cada um de forma diferente, pois por isso nos criou Deus à sua imagem e semelhança, livres. Livres para voluntariamente seguirmos o caminho que nos conduz ao Pai.
Aquilo a que aquele convite nos impele é a fazermos um esforço de caminhada. E cada qual caminhará no seu passo, pelo seu próprio traçado, construindo a sua e a nossa história.
Sempre com o objectivo de caminhar para o Pai.

f) Apelo à missão
O apelo que a todos é feito, sem excepção, é um apelo à missão. (Mt 28,19-20)
19Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 20ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.»

g) A nossa resposta
Responde Paulo qual pode ser a nossa resposta. 1 Cor 9,16
“Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!”
Esta é a nossa resposta, de homens livres, em busca da verdade.
Será possível ser livre, sem responder a esta interpelação essencial para a nossa vida?
A Verdade é Deus, o Caminho é Cristo.

2 – Abertos ao Mundo
a) A tentação de montar as tendas na montanha:
Mc 9,5”Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias.»
O nosso lugar é no mundo com tudo o que este tem de bom (e é muito) e com aquilo que este tem de mau.
Não é dentro de paredes que evangelizamos, mas no mundo em que vivemos.
Montar as nossas tendas à parte do mundo pode ser muito reconfortante e relaxante mas seguramente não foi esse o mandato que recebemos.
b) “Francisco, reconstrói a minha casa”: a pequena capela, a Igreja, o mundo
Tal com Francisco somos interpelados a participar na reconstrução da Igreja.
Com dois milénios de construção a Igreja necessita da nossa pequena ajuda para crescer na Fé, para evangelizar.
Aceitemos o apelo entendido por Francisco como uma interpelação pessoal a cada um de nós.
c) A ida da evangelização - frades franciscanos vão evangelizar dentro e fora.
Desde o início da sua presença em Portugal os Franciscanos começam a sua evangelização por todo o País.
d) O retorno da evangelização - após a expulsão das ordens religiosas em Portugal (1834) são os leigos que mantêm viva a religiosidade franciscana;
Apesar da expulsão das ordens religiosas em Portugal, em 1834, mantém-se presente em Portugal o carisma e a espiritualidade franciscanas.
Essa presença é particularmente assegurada pelos leigos que mantêm viva a religiosidade franciscana.
Depois de terem sido evangelizados chegou o momento de serem eles evangelizadores.
e) Francisco e o sultão: diálogo em vez de cruzadas
A abertura ao mundo é sempre realizada numa postura de diálogo.
E rejeitando sempre a violência como resposta aos problemas.


3 – Leigos batem à porta do Convento
a) Com uma proposta de evangelizar através da cultura
Um grupo bate à porta do convento, com uma interpelação a esse convento.
A proposta é a de ser esse mesmo grupo de leigos a evangelizar, através de uma área específica: a da cultura.

b) Transmitindo a sua inquietação ao convento
Ao transmitir esta sua proposta ao Convento, desencadeia no Convento uma resposta à mesma proposta.
Transmite para o Convento estas inquietações e esta nova proposta de evangelização, junto de uma área (a cultura) nem sempre de convivência pacífica com a Igreja.

c) A missão consiste em dar e receber
A resposta positiva do Convento a esta interpelação e a estas inquietações traduz-se numa reciprocidade do dar e receber entre o Convento e os leigos que permitem um esforço de evangelização conjunta para o exterior e num reforço de laços no interior.
Aqui ressaltou o entendimento que Evangelizar é um movimento de sentido duplo, não se colocando os leigos apenas como receptores e os religiosos como emissores, mas colocando ambos como receptores e ambos como emissores.

d) Não serem apenas evangelizados mas também evangelizadores
Os leigos passam assim de uma posição de mera recepção – de evangelizados – a agentes de propagação da Fé – evangelizadores – através da sua presença numa plataforma de diálogo específica.
Passam assim para o exterior uma imagem de unidade entre religiosos e leigos com uma finalidade comum: evangelizar.
Mantendo-se distintas as competências específicas de leigos e sacerdotes, entendem todos a missão de evangelizar como uma missão a que todos são chamados.

4 – A nossa proposta específica: privilegiar a Cultura como palco de diálogo
A cultura é o palco de diálogo que permite reunir pessoas que não seria fácil congregar numa linguagem de Fé.
Mas é possível congregá-los na linguagem da cultura, mostrando aí a nossa presença.
A nossa actividade, para além de alimentar os católicos mais envolvidos é muito direccionada para o diálogo:

a) Com os católicos baptizados mais afastados, permitindo-lhes o reencontro com o pensamento da Igreja
Muitos afastaram-se da Igreja após a sua caminhada de baptismo e catequese:
- Catequeses muito fracas;
- “Doutrinas” ditas da Igreja, que não são da Igreja, e são absurdas;
- Caricaturas da Igreja;
- Maus exemplos alegadamente da Igreja;
Numa palavra: um Europeu tem 15 anos de escolaridade antes de chegar ao mercado de trabalho (20 se for licenciado); um Cristão tem 4 a 6 anos de catequese: no que diz respeito à Fé, está na primária…
Quando a razão diz uma coisa e a “fé” da catequese diz outra, começam as dúvidas e os afastamentos.
São Tomás de Aquino dizia: "Acreditar em Cristo é em si uma coisa boa, mas constitui uma falta moral crer em Cristo se a razão considera que esse acto é mau. Cada um deve obedecer à sua consciência mesmo que esta esteja errada." Ia Ilae q. 19 art. 5.

b) Com demais baptizados cristãos, mas não católicos, apresentando a nossa abertura aos nossos irmãos
Torna-se necessário dar passos reais de ecumenismo ao nível pessoal.
Retirar ideias preconcebidas de afastamentos que, na realidade, não existem.
Praticar o acolhimento, primeiro passo em direcção à comunhão.

c) Com os não crentes, através de uma linguagem na qual é possível para eles estabelecer um diálogo
Muitos não crentes definem-se assim por contraposição a ideias absurdas que lhes são transmitidas de Deus.
E que eles igualmente transmitem.
Nesse caso identifico-me plenamente com eles: também sou não crente de um Deus que manda matar, que manda sofrer ou fazer sofrer, de um Deus que anda no bolso com a lista dos nossos pecados para nos condenar.
Do Deus que manda as sete pragas para o Egipto ou que destrói as cidades.
Deste “deus” tão ao jeito dos reis pagãos também eu sou não crente.
Onde é que posso dialogar com estes não crentes – aqueles Homens de Boa Vontade de que falou o Concílio – senão na cultura, apresentando-lhes aí a nossa proposta?

d) O falar em todas as línguas é falar aqui na língua da cultura:
“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem.” Act 2, 4
Não irmos nós em busca dos nossos irmãos falando na língua deles é uma falta ao nosso dever de evangelizar.
Para uma faixa citadina europeia a cultura pode vir a ser o único local de encontro ou de reencontro com Cristo.
As Verdades cristãs aparecem-nos hoje descristianizadas e, por isso, com falta de conteúdo.
Falta de alma.
Disto se queixava um amigo meu quando se juntou a um grupo de voluntariado: falta-lhe alma, dizia ele.
De seguida juntou-se aos leigos para o desenvolvimento.
Casou-se pela Igreja, baptizou os filhos.
Iniciou a sua caminhada.
O esquecimento deliberado da mensagem Cristã pela Europa do Desenvolvimento Social abre o caminho às crises sociais como acontece em França.
Quando a Solidariedade Social se mede pelos orçamentos, e não também pela mensagem Cristã, não existe presente nem futuro para os mais desfavorecidos.
As grandes conquistas alegadamente laicas, como os direitos fundamentais, por exemplo, não foram criadas com a Revolução Francesa.
Qual é o direito fundamental que não vem no Evangelho?
Desconheço.
Assumamos a nossa identidade no dia a dia, com as nossas palavras e actos.
Se cada católico diariamente por palavras e actos tiver visivelmente uma atitude cristã, o mundo mudará para melhor.

João (JMA)

Congresso Internacional da Nova Evangelização
Atelier dias 07 e 10 de Novembro de 2005
Centro Cultural Franciscano / Lux Mundi

18 de outubro de 2005

João XXIII


Ângelo Giuseppe Roncalli, nasceu aos 25 de novembro de 1881, na pequena cidade de Soto il Monte, em Bérgamo, Itália. Era o quarto filho de uma família de camponeses pobres. O ambiente religioso da família e a fervorosa atividade paroquial foram a sua primeira escola de vida cristã, marcando a sua feição espiritual. O menino Angelino, como era carinhosamente chamado, era muito ativo, bondoso e inteligente. Terminou os estudos num lampejo tanto que no seminário era o mais jovem da classe. Aos quinze anos de idade, foi admitido na Ordem franciscana secular, professando as regras no ano seguinte. E aos dezenove anos, já havia completado os cursos, mas pelas leis eclesiásticas não poderia ser ordenado sacerdote antes dos vinte e quatro anos de idade. Assim foi enviado para Roma como bolsista da diocese de Bérgamo, para se formar no Pontifício Seminário Gregoriano. Também, neste tempo, prestou um ano de serviço militar.

Recebeu a Ordenação sacerdotal em 1904 em Roma e, no ano seguinte, foi nomeado secretário do novo Bispo de Bérgamo, trabalhando também no Seminário como professor. Além disto, foi assistente da Ação Católica Feminina, colaborador no diário católico de Bérgamo e pregador muito solicitado pela sua eloqüência elegante, profunda e eficaz. Em 1915, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, serviu a Itália como soldado integrante do corpo de saúde e, depois, como capelão militar. No fim da guerra, abriu a "Casa do Estudante" e trabalhou na pastoral dos jovens estudantes. Quando o Papa Bento XV o chamou à Roma em 1921, teve início a segunda parte da sua vida, dedicada ao serviço da Santa Igreja. Alí exerceu a presidência nacional do Conselho das Obras Pontifícias para a Propagação da Fé, como tal percorreu muitas dioceses da Itália organizando círculos missionários.

Foi o Papa Pio XI que o iniciou na carreira diplomática em 1925, na função de visitador apostólico da Bulgária e o elevou à dignidade episcopal. No mesmo foi nomeado delegado apostólico na Turquia e Grécia, onde ficou até 1935. O trabalho intenso de Roncalli à serviço dos católicos romanos, ganhava cada vez mais destaque pelo tom do diálogo e pelo trato respeitoso com os cristãos ortodoxos e os muçulmanos. Quando irrompeu a Segunda Guerra Mundial, ele estava na Grécia, onde procurou dar notícias sobre os prisioneiros de guerra e salvou muitos judeus com a "permissão de trânsito", fornecida pela Delegação Apostólica. Já nos últimos meses da guerra, em 1944, foi como núncio apostólico, para Paris. Uma vez restabelecida a paz, ajudou os prisioneiros de guerra e trabalhou para normalizar a vida eclesial na França.

Consagrado Cardeal, em 1953, foi designado patriarca de Veneza. No Conclave de 1958 foi eleito Papa, tomando o nome de João XXIII, aos setenta e sete anos de idade. O seu pontificado, durou menos de cinco anos, e se tornou muito apreciado, sobretudo, porque lançou as Encíclicas "Pacem in terris" e "Mater et magistra". Também, convocou o Sínodo romano, instituiu uma Comissão para a revisão do Código de Direito Canônico e convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II em 11 de outubro de 1962. Este Papa exalava odor de santidade, sendo assim reconhecido pelo seu rebanho que o chamava apenas de "Papa Bom". Foi irradiando a paz, própria de quem confia sempre na Providência Divina, que ele morreu no dia 03 de junho de 1963, em Roma.

No Jubileu do ano 2000, o Papa João XXIII foi beatificado pelo Sumo Pontífice João Paulo II, cuja celebração foi marcada para ocorrer no dia 11 de outubro, dada a importância do Concílio iniciado por ele nesta data.

in evangelhododia@yahoogrupos.com.br

20 de setembro de 2005

O Paradigma de Assis


A Jornada Mundial de Oração pela Paz, realizada em 1986 na cidade de Assis (Itália), constitui um marco fundamental no campo do diálogo inter-religioso. Pela primeira vez na história, inúmeras lideranças religiosas mundiais encontram-se para juntos rezar e testemunhar a natureza transcendente da paz. Os que participaram da experiência são unânimes em afirmar o seu caráter extraordinário. Na opinião do Dalai Lama, o encontro de Assis resultou extremamente benéfico, pois "simbolizava a solidariedade e um compromisso com a paz demonstrado por todos os que participaram" . Ao mencionar o evento, João Paulo II afirmou que a sintonia de sentimentos que ali ocorreu provocou a vibração das "cordas mais profundas do espírito humano" . Ali estavam, lado a lado, os cristãos das várias Igrejas e comunidades eclesiais e representantes de outras tradições religiosas, como companheiros no caminho comum, em atitude de oração, jejum e peregrinação.
O paradigma de Assis, revelador de uma nova perspectiva dialogal para as religiões, retoma sua atualidade neste momento particular da conjuntura eclesial, marcado pelos complexos desdobramentos da Declaração Dominus Iesus, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em setembro de 2000. Esta Declaração harmoniza-se com uma tendência muito presente no atual campo religioso católico, marcado pela afirmação da identidade com ênfase na centralidade do anúncio explícito. O novo "entrincheiramento identitário" revela um temor polifônico: do relativismo, do indiferentismo, da desubstancialização da fé, de uma nova reforma na Igreja.
Mas também o medo das conseqüências e implicações teológicas de uma maior aproximação com outras comunidades de fé. De modo particular, o receio de descobrir que Deus possa falar de formas diversificadas, enquanto dom de gratuidade e surpresa permanente.

Faustino Teixeira
Publicado na revista Concilium 3/2001; o artigo completo pode ser lido em http://www.empaz.org/dudu/du_art12.htm

10 de setembro de 2005

Cristianismo e Liberdade

Cristianismo e Liberdade são dois grandes conceitos que deveriam ter o mesmo significado. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gal. 5,1): ainda que S. Paulo possa ter dirigido essas palavras aos seus cristãos, por motivos relacionados com as circunstâncias do seu tempo e do local em que viviam, a sua frase não deixa de ser o lema de todos os cristãos, de todos os tempos. Pelas suas origens, a Igreja deveria assumir o papel de guardiã da liberdade neste mundo. No entanto a liberdade que Jesus pretendeu oferecer aos seus discípulos e discípulas tem sido constantemente reprimida, ao longo de quase toda a História da Igreja. Essa repressão, brutal e sanguinária aquando das guerras religiosas, das Cruzadas, da Inquisição e da caça às bruxas, continua viva nos dias de hoje, ainda que os métodos repressivos se tenham modificado. Para os mais velhos entre nós a perseguição astuta da liberdade de pensamento e expressão, perseguição que não poupa sequer a discussão científica, é ainda uma recordação presente e malfazeja. Essa atitude continua a exercer uma influência insidiosa nos nossos dias.
Contudo, o papa João XXIII estabeleceu, como objectivo para o Concílio que convocou em 1959, a abertura da Igreja ao sopro de um vento renovador. E, de facto, o mundo entendeu quer o decurso, quer as conclusões do Concílio, como um movimento em direcção à liberdade. O facto de, actualmente, pouco restar de todos estes ideais é a própria medida das carências da Igreja dos nossos dias.
Ora, como os homens anseiam mais que nunca por liberdade, o seu afastamento da Igreja é cada
vez mais acentuado e imparável.
(...)
Lucerna, Ano Novo 1995

Herbert Haag, Liberdade aos Cristãos, início do Prólogo, Círculo de Leitores

13 de julho de 2005

Conclusão da Crítica da Razão Prática, Immanuel Kant


"Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim"
...
O primeiro espectáculo de uma inumerável multidão de mundos aniquila, por assim dizer, a minha importância como criatura animal que deve restituir ao planeta (um simples ponto no universo) a matéria de que era feita, depois de, por um breve tempo (não se sabe como) ter sido provida de força vital. O segundo, pelo contrário, eleva infinitamente o meu valor como inteligência por meio da minha personalidade, na qual a lei moral me descobre uma vida independente da animalidade e mesmo de todo o mundo sensível, pelo menos, tanto quanto se pode inferir da destinação conforme a um fim da minha existência por essa lei, que não se restringe a condições e limites desta vida, mas se estende até ao infinito.
...
a ciência (buscada criticamente e introduzida metodicamente) é a porta estreita que leva à doutrina da sabedoria, se por esta se entende não só o que se deve fazer, mas o que deve servir de fio condutor aos mestres para abrir bem e com conhecimento o caminho para a sabedoria, que cada um deve seguir, e preservar os outros de falsas vias; uma ciência cuja depositária deve ser sempre a filosofia, em cuja subtil investigação não deve o público ter parte, mas sim nas doutrinas que, após uma tal elaboração, podem finalmente surgir-lhe em toda a sua claridade.

- Crítica da Razão Prática, A288 / A292
Immanuel Kant

26 de abril de 2005

O Cristão do Futuro por Karl Rahner


A Igreja em mudança

Não há dúvida que o Segundo Concílio do Vaticano, os seus procedimentos e debates, as diferenças de opinião que se tornaram aparentes, os relatórios de imprensa que os dissecaram e os exageraram, a existência de tendências e partidos então revelados, a luta por decisões desta forma e daquela, as alterações na liturgia e na lei subsequentemente decididas – todas essas experiências causaram uma profunda surpresa, inquietude e consternação em muitos círculos Católicos, até com uma extensão considerável entre o clero. O comentário, falsamente atribuído a um cardeal conservador, de que ele gostaria de morrer Católico, é meramente um pequeno, estranho sintoma. Outros Católicos aplaudiram o Concílio e o seu trabalho entusiasticamente como a longamente esperada e já realmente atrasada abertura, escancarando as janelas da Igreja para deixarem entrar algum ar fresco, e como uma reconstrução da velha fortaleza com as suas estreitas vigias numa casa, igualmente forte mas com grossas muralhas de vidro e com o mundo brilhando através delas, e no máximo pensaram que o “tempo” e resultados eram ainda muito modestos. Mas os primeiros tiveram uma inescapável impressão de profundo alarme.

A sua prévia experiência tinha-lhes mostrado a Igreja como uma torre inabalável nas _____ (seething waves) do tempo -- stat crux dum volvitur orbis – como a única autoridade com a coragem de manter princípios inalteráveis, como o estandarte dos eternos dogmas com a firmeza do granito, da persistente lei natural, da venerável tradição inquestionavelmente aceite e vivida, dos claros Sim e Não, dos princípios básicos os quais foram sempre conhecidos desde o início e apenas necessitam corajosamente de ser postos em prática, quer o mundo aprove ou não. Para eles precisamente a inamovível imutabilidade da doutrina e vida da Igreja parecia uma característica decisiva da Igreja Católica em contraste quer com as outras denominações Cristãs quer em geral com o espírito dos tempos. E agora eles têm a impressão que as pessoas estão a discutir tudo e nada, questionando tudo, que tudo está a cair, que a sua (talvez dificilmente conseguida) rígida adesão à doutrina, e acima de tudo a prática tradicional, da Igreja até ao mais pequeno detalhe do estilo da vida religiosa e secular, é desaprovada e quase desprezada pela Igreja e pelos seus representantes máximos. O amargo sentimento de ter sido deixado __________(in the lurch) pela Igreja, de ser como um objecto de censura perante os olhos do mundo de não-Católicos "que sempre o souberam", tentações contra a fé, desconfiança da segurança e confiabilidade das autoridades eclesiásticas, tais eram as consequências das “experiências Conciliares” deste género as quais de facto – não há dúvida acerca disto – foram bem ou mal praticadas por muitos Católicos.

Não é necessário ilustrar esta situação aqui no início das nossas reflexões com exemplos das questões ou procedimentos que deram origem à inquietude, uma vez que iremos entrar na matéria, tão longe como seja necessário e possível, quando formarmos um juízo sobre isso.

A situação em questão já se deve ter tornado clara. É o estado de aqueles que são eclesialmente conservadores em face da experiência de profundas alterações na Igreja. E neste contexto a palavra “conservador” significa em princípio algo bastante positivo, pois também inclui a coragem em afirmar continuidade, princípios claros, desapego de modas efémeras, fidelidade para com a Palavra de Deus que perdura para sempre, respeito pela tradição, por aquilo se desenvolveu organicamente, pela sabedoria e experiência dos nossos ancestrais.

O que se pode dizer deste estado de coisas? O que ensinou o Concílio, o que decidiu, o que fez a esse respeito, e o que é que ele não ensinou, decidiu, fez?
O que se pode dizer em relação à mutabilidade e imutabilidade da doutrina da Igreja e na moral e vida Cristãs? Essa é a questão com a qual nos ocuparemos aqui. Não estamos preocupados com as múltiplas alterações na Igreja que formam o tema principal da história da Igreja, por outras palavras alterações que foram impostas simplesmente na Igreja como consequência inevitável da inserção da Igreja num padrão total de forças historicamente operativas(Estado, civilização, etc.). Estamos preocupados (ocupados) com as alterações que a própria Igreja activamente leva a cabo na sua lei e doutrina, e na qual a Igreja se muda a ela própria, e não é meramente submetida a mudanças, embora seja claro que ambos os conjuntos de mudanças se afectam mutuamente.

A fim de avançarmos na obscuridade e complexidade da questão, e para providenciarmos uma linha de rumo para as nossas reflexões, uma distinção necessita primeiro de ser desenhada, mesmo se não podemos senão imaginar que os dois pólos de distinção estão ligados por múltiplas conexões do mais complicado tipo.

Referimo-nos à distinção entre eclesialmente vinculativo e, no caso mais estrito, ensinamento dogmaticamente definido da Igreja por um lado, e a lei e prática da Igreja no outro. Assumamos para este momento esta distinção como válida e o seu significado como entendido. Isto depreender-se-à do decorrer daquilo que iremos dizer, e será vista como necessária e profundamente justificada.

18 de janeiro de 2005

Ler a História na Trindade


"Não devemos acreditar naqueles que declaram que Cristo é a resposta para as nossas interrogações. É uma afirmação profundamente falsa. Cristo é, antes de tudo, a subversão das nossas interrogações. Todos os dias, a sua primeira palavra para todos nós é "convertam-se", "mudai o coração e a vida". Nenhum de nós pode afirmar que acredita em Deus se em cada dia não se interroga - "creio em Deus?", isto é, se em cada dia não põe em jogo, de um modo novo, a sua vida.
Somente se Cristo é a subversão das interrogações, torna-se também a resposta, porque só se passa através do fogo purificador do encontro que muda o coração e a vida, que realiza a conversão, a metanoia, porque Cristo é também aquele que dá a paz ao coração inquieto. Então eis que a Palavra que emerge do silêncio, a Trindade revelada na cruz, nos convida a um cristianismo não ideológico, mas a um cristianismo humilde, feito da experiência do mistério, onde a primeira palavra a pronunciar é a palavra do exemplo da vida, da caridade activa, da experiência de Deus que se proclama mais por aquilo que se é, do que por aquilo que se faz."

Bruno Forte, Ler a História na Trindade, in C.M. Martini - B. Forte, Envolvidos pelo mistério da transfiguração. Um itinerário para o Jubileu, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1997, 71-72