21 de março de 2007
O cristianismo e a criação
CRISTIANISMO, JUDAÍSMO E ISLAMISMO
'O cristianismo e a criação'
Pe. Doutor Joaquim Carreira das Neves
Não vamos tratar, aqui e agora, os problemas científicos sobre a criação, até porque a Bíblia nasceu, cresceu e foi-nos apresentada em tempos que nada tinham a ver com os da ciência. Damos como adquirido a ciência do evolucionismo, tão discutida a partir de Darwin. Muitos problemas continuam em aberto e, perante tais desafios, em meu entender, a única atitude correcta é estarmos abertos ao que é verdadeira ciência. É impressionante sabermos que ainda hoje há milhões de pessoas que, por causa da sua fé e da Bíblia, continuam agarradas à teoria criacionista. A verdadeira ciência nunca faz mal à fé nem à Bíblia: são complementares e não contraditórias.
A teologia bíblica da criação afirma a alteridade da natureza ou do mundo em relação a Deus. A natureza e todas as suas criaturas não são Deus, ao contrário de alguma filosofia grega, que defende a unidade do ser, da filosofia e teologia gnóstica e do movimento religioso moderno NEW AGE.
O livro do Génesis abre o pórtico da sua catedral com duas narrativas bem distintas sobre a criação. A primeira vem no Gn 1, 1-2, 4a e a segunda em Gn 2, 4b - 3, 1-24. Ao contrário dos mitos da Assíria e da Babilónia, em que a criação do mundo e dos humanos nascem do "caos" e vivem na sua dependência e maldade, pois são frutos do deus Marduk, que se serve do cadáver do monstro Tiamat, que ele matou, e do seu sangue, a criação é fruto da Palavra de Deus. Deus é o Totalmente Outro, o Santo, e as suas criaturas vivem nesta alteridade de amor. Só quem acredita desta maneira pode rezar o PAI NOSSO. Entre todas as criaturas, nas duas narrativas, sobressai a criação do homem e da mulher, que, pela sua liberdade e alteridade, pode dizer SIM ou NÃO a Deus.
A primeira narrativa abre e fecha com uma "inclusão bíblica": "No princípio criou Deus os céus e a terra" (1, 1). "Esta é a história dos céus e da terra, quando foram criados" (2, 4a). A narrativa é uma liturgia religiosa, que tem por fim apresentar os três tempos fundamentais da criação: o da natureza exógena (o mundo com os céus de estrelas e planetas, a terra com os seus animais e plantas), o da criação do homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus (1, 27) e o da criação do sábado. A narrativa é salpicada com o refrão jussivo do verbo haver: "E Deus disse: Haja...", e com a visão retrospectiva do mesmo Deus sobre a "bondade" da criação: "E Deus viu que era bom...". Depois de ter criado o homem e a mulher, Deus entrega a mesma criação e todo o seu mundo ao mesmo homem-mulher. A partir daqui, eles são com-criadores de Deus. Têm a criança nas mãos para a fazerem crescer e ser feliz: "Sede fecundos e multiplicai-vos e enchei a terra e submetei-a." (1, 18). Será que o homem moderno, cheio de interesses consumistas, entende esta mensagem?
A criação do sábado, com toda a solenidade que Deus lhe confere com os verbos "abençoar" e "santificar", apenas nos diz que o poema tem em vista a liturgia sabática porque Deus , santo, eterno e sem criação, deve ser amado e respeitado. O simples facto do poema usar o nome ELOHIM para dizer Deus, e não YHWH, indicia o tempo tardio da sua composição e a sua origem sacerdotal, do tempo do exílio ou pós-exílio, que eram de dificuldade, pobreza e incerteza. E é precisamente no meio de todas estas dificuldades que o autor bíblico nos apresenta a bondade da criação e a responsabilidade do homem-mulher sobre a mesma.
A segunda narrativa (2, 4b-3, 1-24) é muito diferente da primeira porque, agora, o nome de Deus é YHWH-ELOHIM, e tem alguns contactos com os mitos mesopotâmicos, sobretudo com o Enuma Elish e Atra-hasis. Na Bíblia, o homem é modelado do pó da terra, mas nos mitos supracitados, a argila é amassada juntamente com o sangue e com os restos dos principais deuses maus (Kingu e Wê-ila), aliados de Tiamat. Os deuses, nos seus ciúmes, guerreiam-se e matam-se e é com o sangue dos mortos que criam a humanidade. Os humanos não são mais do que uns títeres de maldade nas mãos dos deuses. Mas na Bíblia, o homem é fruto da terra e do "sopro" de Deus. É como que um "beijo" de Deus. O homem é colocado por Deus num éden (jardim ou várzea cheia de água, árvores e frutos), com a permissão de comer de todas as suas maravilhas, menos da árvore do "conhecimento do bem e do mal".
As imagens do "éden", "árvore do conhecimento do bem e do mal", "árvore da vida", "costela" de Adão, "cobra",etc., devem ser entendidas como imagens, símbolos, e nada mais. O que importa é o seu significado. Deus dá ao homem um "auxílio", que é a mulher, porque o homem, entre os animais, que lhe pertencem pelo facto de os ter nomeado, vivia na maior das solidões. Nenhum animal era semelhante a ele. O "auxílio" (ézer, no masc.) é a mulher: "osso dos meus ossos, / carne da minha carne. / Será chamada 'ishsha (mulher) porque foi tirada de 'ish (homem)". Homem e mulher perfazem uma unidade indissolúvel. Foram postos no "eden" para adorarem Deus, mas a "cobra", que é o símbolo dos deuses da fertilidade, atrai para o seu mundo a mulher e, com ela, o homem. Não se trata de explicar a origem do mal, porque não há mal sem liberdade, mas de mostrar o poder atractivo e idolátrico de poder dizer NÃO a Deus, para dizer SIM aos ídolos. E quando o homem e a mulher descobrem o seu pecado, vêem que estão nus, têm medo de Deus e escondem-se dele. Deus retira o homem e a mulher do "éden" para não continuarem a endeusar-se, e coloca-os na realidade concreta da vida humana: o homem trabalha a terra com o suor do seu rosto e a mulher dará à luz com sofrimento.
Ao fim e ao cabo, a narrativa é uma etiologia ou narrativa justificativa da história de Israel, antes do povo possuir a Terra Prometida, durante a Terra Prometida, antes do exílio e durante o exílio. O homem-mulher devia adorar o verdadeiro Deus no "éden" da Terra Prometida, mas não o fez. Quis endeusar-se, seguiu o mundo apetecível da cobra, isto é, do politeísmo
dos Baales e demais deuses e deusas da fertilidade. Deus expulsa-os para o exílio, mas não os abandona porque a descendência do homem-mulher há-de vencer o sortilégio idolátrico da cobra.
A narrativa apresenta as grande interrogações humanas, de ontem e hoje: Como compreender o mal? A sua atracção? Qual o porquê da dureza da vida e das dores da mulher para dar à luz? Como compreender o exílio e a vida errante de eterna busca do homem? Como compreender a morte?
Saindo das narrativas do Génesis, e para melhor compreendermos a criação, temos que ler com atenção o Deutero Isaías, especialmente Is 40, 22. 26; 44, 6; 45, 8. 12. 48; 48, 13; 51, 12-16; 54, 5. As afirmações sobre YHWH como único criador, vêm sempre misturadas com a história da salvação no exílio e a partir do exílio. Nunca são afirmações de filosofia metafísica ou das ciências da natureza. O mesmo se diga em relação à "nova criação" de Jesus e do Espírito que nos deixou: Jo 1, 1-18; Mc 1, 1; 1, 12-13; Hb 9, 1-14; Ap 21-22; Rm 8, 18-22; Jo 3, 3-6; Ac 2,1-4.
Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM
in http://www.franciscanos.com.pt/
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7 comentários:
padre adorei ler este texto mas contimuo sem perceber como tudo começou. Para mim a verdadeira criação de Deus é a Palavra que tem força para nos tirar das trevas.
Lamento, mas não me parece que o Pe. Carreira das Neves venha ler o blogue.
eu nau gostei, eu precizo fazer um trabalho e eu naum consegui entender nada disso
Tendo em relação a forma como escreves, não me estranha que não percebas o que está escrito.
Eu gostei imenso do texto.
Parabéns
o texto não é objetivo.
.. fala, fala, mas não explica.!! =/
gostei muito do texto...
,, mas em relação a isso temos que nos preocupar com o que realmente é importante para nossa salvação, devemos procurar saber o que devemos fazer para nos aproximar do pai celestial..
nós já nascemos, o mundo já foi criado, o importante agora é buscarmos nos aperfeiçoar.. é muito difícil, mas não é impossível.. é só confiar no nosso querido e amado pai celestial.. ele nos ama!! é melhor sofrer agora nesta vida passageira, do que sofrer para toda a eternidade no inferno!!
Parabéns pelo belissimo texto! É bom saber que ainda existem pessoas de mentalidade aberta e flexivel quanto à verdade dos fatos bíblicos. Acredito que dessa forma é possível entender a mensagem do Pai, escondida atrás dos códigos e símbolos bíblicos.Muito obrigado!!! Esse texto me fez compreender um pouco mais a historia do povo de Deus!!!
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