8 de novembro de 2005

O pensamento cristão - diálogo com o mundo

1 - Originalidade da proposta cristã: a Salvação é para todos, não só para um grupo de eleitos.
O Cristianismo é uma religião para todos, por isso universal, por isso católica.
Não se reduz, nem de forma alguma se pode reduzir a um qualquer grupo “especial”.
O Povo de Deus é uma multidão que tem de comum o apelo de Deus.
De diferente tem a resposta de cada um na sua individualidade ao mesmo apelo.
Mas aquilo que é oferecido ao Povo de Deus, independentemente da resposta que der ao apelo divino, é a Salvação, a Comunhão com Deus.

a) Esoterismos e cia: a religiosidade do pronto a servir
Não há lugar no Cristianismo para mensagens secretas só para alguns eleitos.
A mensagem é universal e vai sendo adaptada a todos os povos, mantendo sempre o essencial do essencial.
Por esse motivo se distingue desde logo de todas as tentativas de criar uma religião com alguns “eleitos”; igualmente se distingue das pseudo-igrejas “a la carte”, as quais fazem uma escolha daquilo que querem, rejeitando o resto.
O essencial da religião cristã não é parcialmente descartável. Nem se pode escolher por parcelas.

b) Proposta de vida para todos
O Cristianismo é uma proposta de vida para todos. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” Jo 10,10
Diz o Evangelho de S. Mateus:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» Mt 5,14
Este é o “moto” deste Grupo de Evangelização.
A proposta radical que nos faz é a da evangelização com o nosso exemplo.
Com as nossas obras.
Dentro do nosso mundo, nos nossos locais de trabalho, na nossa família, junto dos nossos amigos e conhecidos.
Ser a luz do mundo significa estar com a Verdade, não com as modas.
Independentemente do que isso em cada momento representa, é a nossa única opção.
Kant chamar-lhe-ia o nosso imperativo categórico.

c) Não é uma Igreja para os “perfeitos”
Existe uma ideia, errada, de que a Igreja é um grupo de pessoas perfeitas. Seria bom que o fosse, talvez.
Mas a realidade é que a Igreja é um conjunto de Santos e de pecadores. E todos têm o seu local na Igreja.
E na verdade, quantos Santos conhecemos que não tivessem sido pecadores?
Nem aliás a função da Igreja seria essa. Diz o Evangelista Lucas (Lc 5,30 – 32)
30Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Porque comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?»
31Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»
Não existe aqui um grupo de eleitos ou de perfeitos, mas sim a Salvação Universal pela Graça de Deus.
Nem a Igreja faz sentido para se fechar sobre si própria ou para excluir quem quer que seja.
É junto de todos nós que a Igreja tem o seu sentido de existência.
Tentando, tal como Cristo fez, sentar-se à mesa (comungar) com aqueles que têm necessidade de Deus nas suas vidas, não os excluindo por serem pecadores. Pelo contrário, a vinda de Crista é para conduzir os homens a Deus, começando pelos mais afastados os “cobradores de impostos e os pecadores”, ou seja, nós todos.

d) Nem para os “bons”
A Igreja também não existe para os “bons”.
Quais “bons”, é questão de perguntar. Responde Cristo (Mc 10,17-18)
17Quando se punha a caminho, alguém correu para Ele e ajoelhou-se, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus.»
Se estamos à espera de sermos bons para nos aproximarmos ou reaproximarmos da Igreja, é melhor esperar sentado.

e) Convite à santidade
“Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” Mt 5,48
Deus transmite-nos um convite. O convite à santidade. O convite a caminharmos para ele, nosso fim último.
Cabe-nos a nós responder a tal convite, da forma que conseguirmos.
Cada um de forma diferente, pois por isso nos criou Deus à sua imagem e semelhança, livres. Livres para voluntariamente seguirmos o caminho que nos conduz ao Pai.
Aquilo a que aquele convite nos impele é a fazermos um esforço de caminhada. E cada qual caminhará no seu passo, pelo seu próprio traçado, construindo a sua e a nossa história.
Sempre com o objectivo de caminhar para o Pai.

f) Apelo à missão
O apelo que a todos é feito, sem excepção, é um apelo à missão. (Mt 28,19-20)
19Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 20ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.»

g) A nossa resposta
Responde Paulo qual pode ser a nossa resposta. 1 Cor 9,16
“Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!”
Esta é a nossa resposta, de homens livres, em busca da verdade.
Será possível ser livre, sem responder a esta interpelação essencial para a nossa vida?
A Verdade é Deus, o Caminho é Cristo.

2 – Abertos ao Mundo
a) A tentação de montar as tendas na montanha:
Mc 9,5”Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias.»
O nosso lugar é no mundo com tudo o que este tem de bom (e é muito) e com aquilo que este tem de mau.
Não é dentro de paredes que evangelizamos, mas no mundo em que vivemos.
Montar as nossas tendas à parte do mundo pode ser muito reconfortante e relaxante mas seguramente não foi esse o mandato que recebemos.
b) “Francisco, reconstrói a minha casa”: a pequena capela, a Igreja, o mundo
Tal com Francisco somos interpelados a participar na reconstrução da Igreja.
Com dois milénios de construção a Igreja necessita da nossa pequena ajuda para crescer na Fé, para evangelizar.
Aceitemos o apelo entendido por Francisco como uma interpelação pessoal a cada um de nós.
c) A ida da evangelização - frades franciscanos vão evangelizar dentro e fora.
Desde o início da sua presença em Portugal os Franciscanos começam a sua evangelização por todo o País.
d) O retorno da evangelização - após a expulsão das ordens religiosas em Portugal (1834) são os leigos que mantêm viva a religiosidade franciscana;
Apesar da expulsão das ordens religiosas em Portugal, em 1834, mantém-se presente em Portugal o carisma e a espiritualidade franciscanas.
Essa presença é particularmente assegurada pelos leigos que mantêm viva a religiosidade franciscana.
Depois de terem sido evangelizados chegou o momento de serem eles evangelizadores.
e) Francisco e o sultão: diálogo em vez de cruzadas
A abertura ao mundo é sempre realizada numa postura de diálogo.
E rejeitando sempre a violência como resposta aos problemas.


3 – Leigos batem à porta do Convento
a) Com uma proposta de evangelizar através da cultura
Um grupo bate à porta do convento, com uma interpelação a esse convento.
A proposta é a de ser esse mesmo grupo de leigos a evangelizar, através de uma área específica: a da cultura.

b) Transmitindo a sua inquietação ao convento
Ao transmitir esta sua proposta ao Convento, desencadeia no Convento uma resposta à mesma proposta.
Transmite para o Convento estas inquietações e esta nova proposta de evangelização, junto de uma área (a cultura) nem sempre de convivência pacífica com a Igreja.

c) A missão consiste em dar e receber
A resposta positiva do Convento a esta interpelação e a estas inquietações traduz-se numa reciprocidade do dar e receber entre o Convento e os leigos que permitem um esforço de evangelização conjunta para o exterior e num reforço de laços no interior.
Aqui ressaltou o entendimento que Evangelizar é um movimento de sentido duplo, não se colocando os leigos apenas como receptores e os religiosos como emissores, mas colocando ambos como receptores e ambos como emissores.

d) Não serem apenas evangelizados mas também evangelizadores
Os leigos passam assim de uma posição de mera recepção – de evangelizados – a agentes de propagação da Fé – evangelizadores – através da sua presença numa plataforma de diálogo específica.
Passam assim para o exterior uma imagem de unidade entre religiosos e leigos com uma finalidade comum: evangelizar.
Mantendo-se distintas as competências específicas de leigos e sacerdotes, entendem todos a missão de evangelizar como uma missão a que todos são chamados.

4 – A nossa proposta específica: privilegiar a Cultura como palco de diálogo
A cultura é o palco de diálogo que permite reunir pessoas que não seria fácil congregar numa linguagem de Fé.
Mas é possível congregá-los na linguagem da cultura, mostrando aí a nossa presença.
A nossa actividade, para além de alimentar os católicos mais envolvidos é muito direccionada para o diálogo:

a) Com os católicos baptizados mais afastados, permitindo-lhes o reencontro com o pensamento da Igreja
Muitos afastaram-se da Igreja após a sua caminhada de baptismo e catequese:
- Catequeses muito fracas;
- “Doutrinas” ditas da Igreja, que não são da Igreja, e são absurdas;
- Caricaturas da Igreja;
- Maus exemplos alegadamente da Igreja;
Numa palavra: um Europeu tem 15 anos de escolaridade antes de chegar ao mercado de trabalho (20 se for licenciado); um Cristão tem 4 a 6 anos de catequese: no que diz respeito à Fé, está na primária…
Quando a razão diz uma coisa e a “fé” da catequese diz outra, começam as dúvidas e os afastamentos.
São Tomás de Aquino dizia: "Acreditar em Cristo é em si uma coisa boa, mas constitui uma falta moral crer em Cristo se a razão considera que esse acto é mau. Cada um deve obedecer à sua consciência mesmo que esta esteja errada." Ia Ilae q. 19 art. 5.

b) Com demais baptizados cristãos, mas não católicos, apresentando a nossa abertura aos nossos irmãos
Torna-se necessário dar passos reais de ecumenismo ao nível pessoal.
Retirar ideias preconcebidas de afastamentos que, na realidade, não existem.
Praticar o acolhimento, primeiro passo em direcção à comunhão.

c) Com os não crentes, através de uma linguagem na qual é possível para eles estabelecer um diálogo
Muitos não crentes definem-se assim por contraposição a ideias absurdas que lhes são transmitidas de Deus.
E que eles igualmente transmitem.
Nesse caso identifico-me plenamente com eles: também sou não crente de um Deus que manda matar, que manda sofrer ou fazer sofrer, de um Deus que anda no bolso com a lista dos nossos pecados para nos condenar.
Do Deus que manda as sete pragas para o Egipto ou que destrói as cidades.
Deste “deus” tão ao jeito dos reis pagãos também eu sou não crente.
Onde é que posso dialogar com estes não crentes – aqueles Homens de Boa Vontade de que falou o Concílio – senão na cultura, apresentando-lhes aí a nossa proposta?

d) O falar em todas as línguas é falar aqui na língua da cultura:
“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem.” Act 2, 4
Não irmos nós em busca dos nossos irmãos falando na língua deles é uma falta ao nosso dever de evangelizar.
Para uma faixa citadina europeia a cultura pode vir a ser o único local de encontro ou de reencontro com Cristo.
As Verdades cristãs aparecem-nos hoje descristianizadas e, por isso, com falta de conteúdo.
Falta de alma.
Disto se queixava um amigo meu quando se juntou a um grupo de voluntariado: falta-lhe alma, dizia ele.
De seguida juntou-se aos leigos para o desenvolvimento.
Casou-se pela Igreja, baptizou os filhos.
Iniciou a sua caminhada.
O esquecimento deliberado da mensagem Cristã pela Europa do Desenvolvimento Social abre o caminho às crises sociais como acontece em França.
Quando a Solidariedade Social se mede pelos orçamentos, e não também pela mensagem Cristã, não existe presente nem futuro para os mais desfavorecidos.
As grandes conquistas alegadamente laicas, como os direitos fundamentais, por exemplo, não foram criadas com a Revolução Francesa.
Qual é o direito fundamental que não vem no Evangelho?
Desconheço.
Assumamos a nossa identidade no dia a dia, com as nossas palavras e actos.
Se cada católico diariamente por palavras e actos tiver visivelmente uma atitude cristã, o mundo mudará para melhor.

João (JMA)

Congresso Internacional da Nova Evangelização
Atelier dias 07 e 10 de Novembro de 2005
Centro Cultural Franciscano / Lux Mundi

2 comentários:

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