19 de junho de 2009


Karl Rahner é um dos mais importantes teólogos do Século XX. Autor de uma vasta obra, sobre quase todos os temas teológicos, tem na obra Grundkurs des Glaubens: Einführung in dem Begriff dês Christentums (em português Curso Fundamental da Fé; em inglês Foundations of Christian Faith) a sua obra mais sistemática, com o apogeu do seu pensamento.
Juntamente com Henri de Lubac, Yves Congar, Bernard Häring, Joseph Ratzinger, Hans Küng forma a geração de ouro de teólogos do séc. XX os quais, na qualidade de peritos conciliares, enformaram o 2º Concílio do Vaticano.
Rahner foi convidado como perito conciliar pelo Cardeal de Viena Franz König, pelas suas reconhecidas contribuições para a evolução da teologia no séc. XX, .
Foi particularmente importante a sua contribuição para a redacção das constituições dogmáticas sobre a Revelação – Dei Verbum – e a Igreja – Lumen Gentium – e ainda da constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo Actual - http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html.
A sua participação no Concílio é bem descrita pelo dito: “Rahner locuta, causa finita” representativo da qualidade das suas intervenções bem como da sua autoridade intelectual particularmente na teologia dogmática.
Em 1963, cria a revista Concilium, publicada em sete línguas, a qual representa um contributo para a manutenção do debate teológico aberto com a convocação do Concílio por João XXIII.

22 de dezembro de 2008

Mensagem de Natal de D. Manuel Clemente



D. Manuel Clemente, Bispo da Diocese do Porto, Mensagem do Natal de 2008

18 de dezembro de 2008

Minha Jornada de saída do cisma de Lefebvre

Por Pete Vere (My Journey Out of the Lefebvre Schism)

Tradução: Emerson de Oliveira e Maite Tosta

Fonte: The Catholic Legate

Se você é um católico fiel ao Magistério da Igreja, você provavelmente já se encontrou com alguns seguidores do arcebispo Marcel Lefebvre que, em 1988, criou o cisma conhecido como a Fraternidade Sacerdotal S. Pio X (FSSPX). Eles são cheios de devoção para com a Santa Mãe Igreja, extremamente conservadores com respeito à maioria dos assuntos morais que afligem o mundo Ocidental atual, e bastante reverentes diante do Santíssimo Sacramento durante a antiga liturgia latina. Em resumo, na superfície, os partidários do cisma do arcebispo Lefebvre parecem ser católicos devotos.

É fácil simpatizar com este pessoal, já que a maioria deles se uniu à FSSPX depois de se escandalizarem com abusos atuais na doutrina e liturgia em algumas de nossas igrejas católicas na América do Norte. De fato, foi justamente por causa dessas afinidades, como também pela beleza da Missa Tridentina, que eu me vi freqüentando capelas da FSSPX há cerca de oito anos. Na época, como a maioria dos partidários da FSSPX, eu pensava que minha separação de Roma era meramente temporária.

Eu não percebia, porém, que na raiz de todo cisma, como o Código atual da Lei Canônica explica está "a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos." (Can. 751). Este rompimento de comunhão com a Igreja, como mostra o Catecismo da Igreja católica, "fere a unidade do Corpo de Cristo" (CCC 817). Por isso, no centro de minha jornada de retorno à comunhão completa com Roma, existem muitas questões sobre a unidade da Igreja como uma instituição fundada por Cristo.

O que se segue é uma reflexão prática sobre questões relativas à Tradição Católica que preocupou minha consciência durante minha curta estada no cisma da FSSPX. As respostas para estas perguntas me levaram a concluir que a Tradição Sagrada só pode ser completamente atualizada em comunhão com Roma. Minhas conclusões tiradas em oito anos de experiência pessoal dentro do Movimento Tradicionalista - os últimos cinco após minha reconciliação com Roma. Além disso, durante os últimos dois anos fiz curso de licenciatura em lei canônica da Igreja, estudos que culminaram na publicação de um artigo de pesquisa chamado "Uma história canônica do cisma do arcebispo Lefebvre". A seguir mostrarei um breve relato do que eu aprendi e como isto me conduziu à minha reconciliação com Roma.

Quem foi o arcebispo Lefebvre?

O arcebispo Marcel Lefebvre foi ordenado missionário espiritano e depois se tornou o primeiro Arcebispo de Dakar, África. Neste cargo ele fundou muitas dioceses missionárias na África e, de fato, sob o Papa Pio XII, ele foi designado o legado papal para a África de língua francesa.

Antes de se aposentar em Roma logo após o Segundo Concílio Vaticano, ele também serviu como superior geral dos missionários espiritanos.

Porém, certos problemas começaram a surgir nos seminários franceses durante este tempo, e muitos jovens seminaristas foram desencorajados pela confusão que havia surgido dentro de seu programa de formação. Assim eles se aproximaram do arcebispo Lefebvre em 1970 e o persuadiram a deixar a aposentadoria em Roma. Preocupado com a falta de disciplina que havia em muitos seminários franceses e as muitas fraquezas doutrinais no programa de formação dos seminaristas, em 1969 Lefebvre fundou uma Casa de Estudos que logo evoluiu para um seminário e sua Fraternidade Sacerdotal S. Pio X (FSSPX).

Estas instituições receberam aprovação canônica em uma base experimental perto de Econe, Suíça. Porém, o uso continuado da Missa Tridentina por Lefebvre se tornou um ponto de atrito com o Vaticano. Por volta de 1974, a controvérsia tinha ficado tão aquecida que Lefebvre fez uma famosa declaração dentro do círculo Tradicionalista questionando a validez e ortodoxia do Concílio Vaticano II.

Vendo que esta declaração era problemática, o Papa Paulo VI suprimiu canonicamente a FSSPX e seu seminário em 1975. Ainda assim Lefebvre ignorou a supressão canônica e começou a ilicitamente ordenar seus seminaristas ao sacerdócio, uma ação que levou mais tarde à suspensão de suas faculdades no mesmo ano. Durante os próximos treze anos, Lefebvre continuou a operar ilicitamente e ampliar a FSSPX, enquanto negociações eram realizadas de vez em quando com Roma.

As relações entre Roma e a FSSPX na verdade permaneceram estáticas até 5 de maio de 1988. Neste dia, foi finalmente realizado um acordo entre a FSSPX e Roma, reconciliando a FSSPX com a Igreja. O acordo protocolar foi assinado pelo cardeal Joseph Ratzinger e o arcebispo Lefebvre. Todavia, alguns dias depois, o arcebispo Lefebvre retratou sua assinatura e anunciou sua intenção de consagrar bispos sem a permissão de Roma.

Em 30 de junho de 1988, o arcebispo Lefebvre procedeu com esta intenção em violação da lei canônica, incorrendo em excomunhão automática sob a lei. No dia seguinte, o cardeal Bernadin Gantin, da Congregação dos Bispos, declarou a excomunhão de Lefebvre. Em um motu próprio de 2 de julho de 1988, o Santo Papa João Paulo II também confirmou a excomunhão de Lefebvre por cisma e por ter consagrado bispos, apesar das advertências da Santa Sé para não o fazer.

Infelizmente Lefebvre faleceu em Econe em março de 1991, sem ter se reconciliado formalmente com a Igreja. Hoje, a SSPX inclui aproximadamente quatrocentos padres em mais de vinte e sete países que representam todos os cinco continentes. A maioria das estimativas coloca o número de partidários do cisma do arcebispo Lefebvre na marca de um milhão.

O Papa S. PioV e Quo Primum Tempore

O primeiro argumento que eu encontrei por um apologista da FSSPX, de fato o mesmo argumento que me levou ao cisma deles, foi uma citação da bula papal do Papa S. Pio V, do séc. XVI, a Quo Primum Tempore. Em resumo, o proponente da FSSPX afirmou que S. Pio V promulgou a Missa Tridentina em perpetuidade, significando para sempre. A FSSPX afirmava - e eu achei a afirmação convincente na época - que todo padre tem o direito de usar o missal romano classificado por S. Pio V em Quo Primum Tempore, e que este direito não pode ser retirado.

Como eu descobri depois, porém, o problema com o argumento do Quo Primum Tempore falha por não levar em conta a Tradição canônica. Primeiro, este argumento não distingue entre a doutrina e a disciplina da Igreja católica. E a distinção é crítica.

Em suma, um dogma é uma doutrina que a Igreja declara com certeza como infalível. Por exemplo, tome o dogma da Assunção da Santa Mãe ao céu. O papa Pio XII não o declarou de repente como uma nova verdade em 1950 que Maria foi assunta ao céu; afinal de contas, esta verdade já existia há quase dois milênios antes, quando Maria foi assunta. Na verdade, o Papa declarou este dogma porque a Igreja chegou a uma certeza de que Maria foi assunta ao céu.

Em essência, a Santa Sé não concordou com a análise de Lefebvre da situação na Igreja católica, isto é, que existia uma emergência suficiente para garantir a consagração de bispos sem a aprovação de Roma. Este é um ponto importante para resolver a disputa entre o arcebispo Lefebvre e o Papa João Paulo II, pois é onde existe uma diferença de interpretação da aplicação da lei canônica, cânon 16 que reza: "as Leis são autenticamente interpretadas pelo legislador e por aquela pessoa a quem o legislador confia o poder de interpretação autêntica".

Na situação de Lefebvre, ele sabia com antecedência que sua interpretação da lei canônica neste caso não era aceitável ao Pontífice Romano, que é o legislador mais superior. Assim, embora Lefebvre discordasse da interpretação da lei canônica dada pelo Pontífice Romano, ainda assim competia ao Papa João Paulo II interpretar autoritariamente a lei. Então, como a idéia de um estado de necessidade nas circunstâncias de Lefebvre foi rejeitada pelo Papa João Paulo II, eu vim a perceber que eu não podia invocar legitimamente o estado de necessidade da lei canônica em defesa da consagração de bispos por Lefebvre sem a permissão de Roma.

O Novus Ordo Missae: intrinsecamente mau?

Um argumento comum agora proposto pela FSSPX é que a liturgia revisada pelo Papa Paulo VI é intrinsecamente má, ou que ao menos é uma ameaça de perigo para a fé católica. Isto significaria que a liturgia pós-Vaticano II é em e por si mesma contrária à lei de Deus. As abordagens lefebvristas sobre este assunto podem variar, mas eles tipicamente insistem que a Missa Nova contêm heresia, blasfêmia ou ambigüidade. Para resolver esta questão, eu cheguei à conclusão pessoal que Cristo tem um senso de humor, pois o mesmo texto da Tradição católica que a FSSPX cita em defesa desta afirmação é o mesmo texto que a refuta.

Vou fazer uma observação preliminar. A Missa não mudou desde que Cristo instituiu este sacramento na noite antes de Sua crucificação. Em essência, não há uma "velha" Missa nem uma "nova" Missa, mas só a Missa. De fato, o que mudou depois do Segundo Concílio Vaticano não foi a Missa, mas a liturgia.

Isto significa que enquanto os "acidentes" (para usar um termo teológico clássico) diferiam um pouco entre a liturgia de pré-Vaticano II e a liturgia reformada do Papa Paulo VI, a essência dela permanece a mesma: o Corpo, Sangue, Alma e Divindade transubstanciada de Jesus Cristo na Eucaristia. Este mistério central da Missa acontece independentemente se o padre celebra de acordo com os livros litúrgicos antes do Segundo Concílio Vaticano ou de acordo com os livros litúrgicos revisados pelo Papa Paulo VI. De fato, os dois livros litúrgicos são formas do mesmo rito litúrgico romano.

Quando eu era filiado à FSSPX, para defender a afirmação que a liturgia reformada é intrinsecamente má, eu citava o sétimo cânon no Sacrifício da Missa do Concílio de Trento. Este cânon declara: "Se alguém disser que as cerimonias, as vestimentas e os sinais externos de que a Igreja Católica usa na celebração da Missa são mais incentivos de impiedade do que sinais de piedade — seja excomungado".

Olhemos isto mais de perto. Como a definição de intrinsecamente má é "algo que em e por si mesmo é mau" vemos do Concílio de Trento que uma liturgia aprovada da Igreja não pode ser tal. Pois algo que é intrinsecamente mau é naturalmente um incentivo a impiedade, enquanto o Concílio de Trento declara dogmaticamente que as cerimônias litúrgicas aprovadas da Igreja Católica não podem ser incentivos a impiedade.

Mas espere um segundo: a liturgia revisada do Papa Paulo VI não era uma liturgia aprovada da Igreja? Claro que era! Assim, de acordo com a Tradição da Igreja como dogmaticamente definida no Concílio Ecumênico de Trento, eu somente poderia concluir que a liturgia reformada do Papa Paulo VI não poderia ser um incentivo a impiedade. Segue-se, então, que não poderia ser intrinsecamente má. Assim, em minha defesa da posição cismática, eu fui refutado pela mesma Tradição católica do Concílio de Trento que eu estava buscando preservar por aderência ao cisma da FSSPX.

Consagração ilícita de bispos: um ato de cisma?

Um argumento comumente apresentado dentro dos círculos da FSSPX é que o ato de consagrar bispos sem permissão papal é um ato de desobediência, mas não um ato de cisma. Embora nunca tivesse pensado muito sobre esse argumento, seja antes ou depois de meu envolvimento com a FSSPX, deve ser abordado porque isto freqüentemente é feito entre graus cismáticos. O pessoal da FSSPX geralmente afirma que eles não retiraram a sujeição para com o Pontífice romano. Na verdade, eles recusam obediência em alguns assuntos.

Deveríamos reiterar aqui o cânon 752 que define cisma como "a retirada de submissão para o Supremo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja sujeitos a ele". Note que o cânon não distingue entre graus de retirada de submissão ao Pontífice romano. Em outras palavras, uma pessoa não precisa retirar completamente a submissão para o Pontífice romano para entrar em um estado de cisma. Na verdade, a retirada parcial de obediência em certos assuntos - e consagrar bispos sem mandato papal é um assunto sério - consiste em um ato pelo qual uma pessoa retira submissão para o Pontífice romano. Em resumo, o Santo Padre disse para o arcebispo Lefebvre que não consagrasse os bispos sem a permissão de Roma, e o arcebispo Lefebvre recusou a se submeter.

Eu nunca dei muita atenção a este argumento durante meu tempo nas capelas da FSSPX. Mas posteriormente eu percebi que a alegação da FSSPX - de que eles não retiraram a submissão ao Pontífice romano, mas na verdade só tinham meramente suspendido temporariamente a obediência a ele em certos assuntos - não podia ser sustentada pela Tradição católica, pois este ato de desobediência em um assunto sério consiste ao menos uma retirada temporária de submissão ao Pontífice romano. Então, com certeza moral suficiente eu poderia concluir que o ato de consagrar bispos contra o desejo do Papa João Paulo II era um ato de cisma, de acordo com a lei canônica.

Papa Libério

Provavelmente a alegação mais comum com a qual me deparei nos meios da SSPX foi a alegação de que o Papa Libério (pontificado 352-366 D.C.) era um herege, simpatizante do arianismo, que falsamente excomungou São Atanásio. Por essa razão, afirma a SSPX, o Papa Libério tornou-se o primeiro papa na história da Igreja a não ser reconhecido como santo. Logicamente, por analogia, a SSPX considera o arcebispo Lefebvre um São Atanásio moderno, e o Papa João Paulo II um moderno Papa Libério.

O argumento deles é de que se isso aconteceu uma vez, pode acontecer novamente. No entanto, como Nosso Senhor me mostrou de maneira divertida, essas afirmações têm pouco fundamento na Tradição Católica.

Convencido de que as afirmações da SSPX a respeito dessa situação eram verdadeiras, eu estava, um dia, lendo meu exemplar de Fontes dos Dogmas Católicos, de Henri Denzinger quando notei que Denzinger listou o Papa Libério como "São Libério". Dizer que fiquei surpreso seria um eufemismo – ironicamente, aquela edição em particular de Denzinger que estava lendo, eu a tinha adquirido da SSPX, pois eles consideram suspeitas todas as edições subseqüentes. Esse trecho de Denzinger, porém, claramente não concordava com o que estava sendo pregado do nosso púlpito da SSPX. Dessa forma, simplesmente desprezei essa listagem como um provável erro de digitação e continuei lendo.

Somente dez páginas depois, me deparei com uma epístola de autoria do Papa Santo Atanásio cujo subtítulo era "A Ortodoxia do Papa Libério". Nela, o Papa Santo Atanásio claramente afirma: "a facção ariana não conseguiu, mediante insinuação herética, introduzir as suas torpezas — pela providência de Deus, segundo cremos —, para que não viesse a ser contaminada aquela santa e imaculada fé por algum vício da doutrina blasfema de homens maléficos, a fé que fora examinada e definida, na assembléia do Sínodo de Nicéia, por homens santos e por bispos que já estão na paz dos santos." (ver art. 93 da 30ª edição).

Até então, tudo bem; Deus tinha claramente preservado a Igreja do Arianismo através das ações e orações dos homens santos. Mas quem eram esses homens santos, e o que isso tem a ver com o Papa Libério? Eu me perguntava. Para minha surpresa, Papa Santo Atanásio respondeu a questão no parágrafo seguinte desta forma: "Por essa fé aqueles que eram então estimados como bispos sagrados com satisfação suportaram o exílio, tais como... Libério, Bispo da Igreja de Roma".

Eu fiquei pasmo com a resposta desse papa, uma vez que havia claramente uma contradição aqui: Eu deveria acreditar no arcebispo Lefebvre e em seus seguidores como autêntico magistério da Tradição Católica? Ou eu deveria acreditar no ensinamento de Atanásio em sua epístola papal Dat mihi plurimum - a afirmação de um homem que era santo papa, e um escritor contemporâneo da heresia Ariana? Quando o meu sacerdote local da SSPX não logrou dar uma solução adequada para essa indagação, eu não pude fazer outra coisa a não ser aceitar a afirmação do Papa Santo Atanásio como voz autêntica da Tradição Católica.

Roma Tradicional X Roma Modernista

A questão de Roma finalmente pesou em minha consciência, como deveria pesar na de qualquer um que deixa a Igreja. Levando em consideração tudo o que a Tradição Católica ensina, de forma consistente, sobre fidelidade a Roma, como poderia eu justificar meu afastamento do Pontífice Romano? De fato, mesmo cinco anos depois de me reconciliar com Roma, a questão da comunhão com Roma e com o bispo local continua sendo o catalisador para grande parte da minha exploração teológica e canônica.

Quando eu estava com a SSPX, entretanto, eu aceitei a solução deles para esse problema. A SSPX alegava que o comportamento questionável dos papas pós-Vaticano II tinha dividido os fiéis em dois grupos. Um grupo, a Igreja institucional, fiel a Roma contemporânea, que a SSPX alega que sofreu infiltração dos modernistas e liberais. No outro grupo estaria a SSPX, que naturalmente eram fiéis à Roma Tradicional.

Apesar de tudo, eu fui incapaz de enganar minha consciência. Então eu continuei me perguntando se a Tradição Católica realmente sustentava o argumento de que um Católico poderia ser fiel à Roma Tradicional, sem continuar fiel à Roma temporal.

"Inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti", nos diz Santo Agostinho na abertura de suas Confissões. Meu coração estava espiritualmente inquieto porque não estava em plena comunhão com o Corpo Místico de Cristo, a Igreja. Contudo, Cristo também nos promete nos Evangelhos que se buscarmos a verdade, a encontraremos. (ver Mt 7, 7).

No meu caso, a verdade jazia nos fundos do porão da casa de meus pais. Lá encontrei uma caixa abandonada cheia de velhas encíclicas papais, da época de faculdade de meu pai. No fundo desta caixa estava a magistral encíclica "Mystici Corporis", do Papa Pio XII.

Curioso quanto a seu conteúdo, eu imediatamente abri essa obra na seguinte passagem: "De quanto até aqui expusemos, veneráveis irmãos, é evidente que estão em grave erro os que arbitrariamente ungem uma Igreja como que escondida e invisível; e não menos aqueles que a consideram como simples instituição humana com determinadas leis e ritos externos, mas sem comunicação de vida sobrenatural." (par. 62). Essa descoberta teológica vinda da Tradição Católica como expressada pelos papas anteriores ao Vaticano II me surpreendeu ainda mais que minha prévia descoberta sobre Santo Atanásio na obra de Denzinger.

Aqui, da Tradição da Igreja, estava o ensinamento de que não se pode dividir a Igreja entre uma comunhão meramente espiritual em oposição a uma mera instituição humana. Em resumo, a Roma da Tradição e a Roma de Hoje eram a mesma Roma. Tudo subitamente fez sentido para mim no que se refere à Eclesiologia Católica. Assim como na Encarnação, Cristo era verdadeiro homem e verdadeiro Deus, sem sacrificar nenhuma das duas naturezas, assim também a Igreja, como Corpo Místico de Cristo, deve ser uma união perfeita do visível e invisível.

Eu me lembrei de que São Paulo tinha feito em alguma parte de suas epístolas a pergunta "Então estaria Cristo dividido?" (ver 1Cor 1,13). Obviamente, a resposta é não. Então, porque em nome da Tradição Católica eu estava dividindo o Corpo Místico de Cristo em uma comunhão espiritual e uma comunhão humana?

Ademais, em participando do Santo Sacrifício da Missa fora da comunhão visível da Igreja, porque eu estava separando o Corpo Sacramental de Cristo (Corpo, Alma e Divindade) presente na Eucaristia do Corpo Místico de Cristo, a Igreja? Expressões tais como "Corpo de Cristo" e "Comunhão" carregam esse duplo sentido: o primeiro, sacramental, significando o sacramento da Sagrada Eucaristia, e o segundo eclesiológico, significando a sagrada unidade da Igreja?

Cativado por essas questões que se formavam em minha consciência, eu continuei lendo a Mystici Corporis e me deparei com a seção seguinte:

Não se julgue, porém, que o seu governo se limita a uma ação invisível, ou extraordinária. Ao contrário, o divino Redentor governa o seu corpo místico de modo visível e ordinário por meio do seu vigário na terra. ... E realmente, sapientíssimo como era, não podia deixar sem cabeça visível o corpo social da Igreja que instituíra.... Que Cristo e o seu vigário formam uma só cabeça ensinou-o solenemente nosso predecessor de imortal memória Bonifácio VIII, na carta apostólica "Unam Sanctam" e seus sucessores não cessaram nunca de repeti-lo (par.39).

Claro, eu disse a mim mesmo, o Pontífice Romano e Jesus Cristo formam uma só cabeça da Igreja Católica. A palavra "tradição" que eu rememorava de tantas homilias nas capelas da SSPX, vem do verbo latino "tradere", que significa "transmitir". Em última análise, raciocinei, deve haver uma fonte da qual a Tradição foi primeiramente transmitida, e essa fonte é Jesus Cristo. No fim eu percebi que Tradição é uma pessoa - a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que se encarnou no ventre de uma Virgem imaculadamente concebida.

Como Cristo e Seu Vigário constituem somente uma Cabeça da Igreja, então a voz da Tradição deve falar por São Pedro e seus legítimos sucessores na Primazia Romana. Portanto, eu tinha que fazer uma escolha por seguir a Tradição Católica e abraçar a rocha sobre a qual Cristo fundou seu Corpo Místico aqui e agora.

Como o filho pródigo, eu percebi meu erro em seguir o arcebispo Lefebvre em cisma, e estava agora fazendo meu caminho de volta à Santa Madre Igreja. Por seu generoso indulto papal em Ecclesia Dei Adflicta, João Paulo II foi exatamente como o pai na parábola de Cristo: Ele estava fazendo jus ao seu título de "Papa", que quer dizer "Pai", ao acolher na Igreja os filhos e filhas Tradicionalistas que em 1988 tinham seguido o arcebispo Lefebvre saindo da vinha da autêntica Tradição Católica.

O arcebispo Lefebvre foi excomungado?

O último argumento com o qual eu regularmente me deparava nos meios da SSPX é de caráter mais técnico que nunca afetou minha decisão de se reconciliar com a Igreja. Na verdade, eu mesmo nunca pensei em pesquisar uma resposta para esta questão; entretanto, tropecei na resposta acidentalmente enquanto pesquisando para minha tese. Ainda assim, o argumento é levantado com freqüência suficiente para merecer uma menção. Trata-se da alegação de que a Igreja nunca de fato excomungou o arcebispo Lefebvre, mas sim o informou de que ele estava automaticamente excomungado em virtude da lei canônica em si.

A Igreja pode excomungar um indivíduo de duas formas. A primeira é por meio de excomunhão latae sententiae. Isso quer dizer que o infrator está automaticamente excomungado em virtude da lei, e, portanto, a sentença não precisa ser imposta por um magistrado da Igreja. Ainda assim, para que tal excomunhão seja reforçada pelo direito canônico, uma autoridade eclesiástica legítima deve declarar que a excomunhão aconteceu.

O segundo método de impor a alguém uma excomunhão é por ferendae sententiae . Essa ocorre por meio de uma decisão de um juiz em um Tribunal Eclesiástico.

O arcebispo Lefebvre foi excomungado em virtude de lei, e não por qualquer penalidade imposta por um juiz. No entanto, os defensores de Lefebvre falham em observar, ao usar este argumento, que sua excomunhão foi posteriormente declarada pela Igreja. Em um decreto da Congregação dos Bispos datada de 1 de julho de 1988, o Cardeal Gantin declarou, em nome da Igreja, a excomunhão do Arcebispo Lefebvre como se segue:

Monsenhor Marcel Lefebvre, Arcebispo-Bispo emérito de Tulle, tendo - apesar da advertência canônica formal de 17 de junho último e das repetidas interpelações pedindo-lhe que renunciasse ao seu propósito - realizado um ato de natureza cismática ao proceder à consagração episcopal de quatro bispos sem mandato pontifício, e contra a vontade do Sumo Pontífice, incorreu na pena prevista pelo cânone 1364, par. 1, e pelo cânone 1382 do Código de Direito Canônico.....Declaro que os efeitos jurídicos são os seguintes: o sobredito Monsenhor Marcel Lefebvre, Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta incorreram ipso facto na excomunhão latae sentenciae reservada à Sé Apostólica.

Sem entrar nos pormenores canônicos, podemos entretanto vislumbrar, nesse enunciado, que a Igreja claramente excomungou o arcebispo Lefebvre. Roma falou claramente como voz da Tradição Católica e, portanto o caso está agora encerrado.

A substância da Tradição Católica

Em minha trajetória de volta à Igreja, pela Graça de Deus eu fui conduzido a partir de meros "acidentes" da Tradição Católica até a substância (essência) da Tradição Católica. Embora eu aprecie a liturgia reformada do Papa Paulo VI, que eu agora reconheço como a liturgia normativa da Igreja Latina, estou tão firmemente comprometido com a preservação do missal litúrgico de 1962 hoje, quanto estava em minha época no movimento Lefebvrista. Todavia, eu percebo que nossa tradição litúrgica como Católicos não pode ser preservada apartada de João Paulo II e todos os outros sucessores legítimos de São Pedro, pois sua voz é a voz da Tradição Católica na Igreja hoje - uma Tradição que lhe foi transmitida desde Jesus Cristo e os Apóstolos.

Pete Vere
The Catholic Legate
Data, 2004

O artigo original foi publicado na Envoy Magazine. 

VERE, Pete. Apostolado Veritatis Splendor: MINHA JORNADA DE SAÍDA DO CISMA DE LEFEBVRE. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/4917. Desde 19/3/2008.

Data Publicação: 24/03/2008

12 de dezembro de 2008

Autoridade dos Concílios


"[Deve ser afirmado que] o Vaticano II é sustentado pela mesma autoridade que sustenta o Vaticano I e o Concílio de Trento, a saber, o Papa e o Colégio dos Bispos em comunhão com ele...Também com respeito ao seu conteúdo, o Vaticano II está na mais estreita continuidade com ambos os concílios anteriores e incorpora os seus textos (de Trento e do Vaticano I) palavra por palavra nos pontos decisivos.

É impossível para um Católico tomar posição pró ou contra Trento ou o Vaticano I (como se fossem coisas discutíveis). Quem aceita o Vaticano II, como ele claramente se expressou e se entendeu a si mesmo, ao mesmo tempo aceita a inteira tradição da Igreja Católica, particularmente, os dois concílios anteriores...Da mesma forma é impossível decidir a favor de Trento e do Vaticano I mas contra o Vaticano II. Quem quer que negue o Vaticano II nega a autoridade que sustenta os outros concílios e os separa dos seus fundamentos. Isto se aplica ao assim chamado 'tradicionalismo'... Uma escolha partidária destrói o todo, a própria história da Igreja, que só pode existir como uma unidade indivisível" 


Traduzido e citado por ZUCCHI, Eng Wagner. Apostolado Veritatis Splendor: A NEGAÇÃO DO VATICANO II E A CONFUSÃO TRADICIONALISTADisponível em http://www.veritatis.com.br/article/3941. Desde 28/08/2006.

ECUMENISMO PRÉ-VATICANO II

(Leão XIII)


Por Dave Armstrong

Tradução: Maite Tosta

Uma vez que alguns "tradicionalistas" insinuam que o Vaticano II foi supostamente uma mudança completa e súbita para os Católicos no que se refere ao ecumenismo, útil é explorar o que a Igreja Católica tem ensinado a esse respeito nas três ou quatro gerações anteriores ao Concílio. Muitos católicos conservadores e ortodoxos são indiferentes ao movimento ecumênico, até mesmo céticos quanto ao mesmo, pensando que necessariamente envolve concessões doutrinárias e relativismo (ou até mesmo, na hipótese mais extrema – revoluções ou conspiração dentro da Igreja Católica). De fato, muitos escritos papais de tempos antigos sugerem que todo diálogo com não-católicos deve ser de natureza apologética.

O pensamento católico evoluiu nesta área (da mesma forma que em muitas – se não em todas – outras áreas), especialmente nos cinqüenta anos ou mais durante os quais o desenvolvimento tem sido notório e rápido. Mas existem suficientes precedentes explícitos para o ecumenismo pelo menos desde o Papa Leão XIII (1878-1903), que tentou encorajar uma atitude de respeito e amizade para com as Igrejas do Oriente. Em sua encíclica Praeclara Gratulationis (1894), ele usou expressões antes raramente vistas em documentos papais:

"Voltamos os nossos olhos com afeto para o Oriente (…) as Igrejas Orientais, tão ilustres na fé ancestral e em passado glorioso (…) a distância que nos separa não é tão grande(…)"

Leão XIII nunca chama os Ortodoxos de cismáticos, ou se refere a eles desta maneira. Ele tenta descrever o cisma de uma forma que - embora seja fiel às suas próprias convicções católicas – não seja ao mesmo tempo ofensiva ou arrogante com os cristãos orientais. Para Leão XIII os Ortodoxos são cristãos separados ou "cristãos dissidentes".

O Papa Leão XIII enfatiza que a unidade se torna mais gloriosa e atrativa se abarcar uma grande diversidade de ritos litúrgicos e eclesiológicos, costumes e formas. Essa abordagem ecumênica adotada por Leão XIII tem sido altamente influente na política do papado desde então. Em todos os documentos sobre as Igrejas Orientais desde essa época, encontramos um tom amigável, um chamado à unidade e reconciliação e respeito mútuo, e um reconhecimento formal das tradições cristãs Orientais.

Com o Papa Pio XI (1922-1939), a atitude ecumênica com relação aos cristãos orientais torna-se ainda mais explícita. Pela primeira vez, os documentos oficiais da Igreja Católica confessam que as barreiras para a reconciliação e reunião não são todas causadas pelos Orientais… Na Rerum Orientalium (1928), ele afirma:

"O remédio para os grandes males da separação não pode ser aplicado a não ser que se remova primeiro o impedimento da ignorância mutua, do desprezo e do preconceito (…). Os Católicos também têm às vezes falhado em avaliar com justiça a verdade ou, por conta de conhecimento insuficiente, em mostrar um espírito fraternal. Conhecemos nós tudo o que há de valor, de bom e de Cristão nos fragmentos da ancestral verdade Católica? Fragmentos separados de protominério de ouro também contêm o precioso minério (…)"

O Papa Pio XI, cautelosamente, e o Papa Pio XII (1939-1958), mais abertamente, anteciparam as bênçãos que a unidade poderia trazer à Igreja Universal, Oriente e Ocidente…

Igualmente notável é a crescente abertura na abordagem aos protestantes pelos papas recentes. Este desenvolvimento tem sido mais lento do que aquele em relação aos Ortodoxos, mas inegavelmente existe e pode ser demonstrado.

O Papa Leão XIII endereçou muitas cartas a cristãos protestantes nas quais ele evita o jargão insultuoso do passado. Ele nunca se referiu a eles como hereges. Do Cristão Escocês ele diz:

"Muitos dos cristãos separados amam o nome de Cristo com todo o coração, se propõem a obedecer sua regra de vida, e por imitação buscam seguir seu exemplo sagrado."

O desejo de Leão XIII por unidade incluía os protestantes. Ele foi peça-chave em diversos momentos da oração por unidade, e procurava fórmulas de unidade que seriam consenso entre católicos e protestantes.

Nos documentos oficiais da Igreja, o desenvolvimento do olhar ecumênico "moderno" em direção aos protestantes é notável no pensamento do Papa Pio XII. Em sua primeira encíclica, Summi Pontificatus (1939), um novo tema é enfatizado:

"Não queremos que passe despercebido o grande eco de comovido reconhecimento que vieram suscitar em nosso coração os augúrios daqueles que, se bem não pertençam ao corpo visível da Igreja católica, não se esqueceram, em sua nobreza e sinceridade, de sentir tudo aquilo que, ou por amor à pessoa de Cristo ou pela sua crença em Deus, os unem a nós."

A referência constante aos protestantes como irmãos separados é impressionante, uma vez que assume o que os documentos eclesiais mais antigos não estavam tão dispostos a admitir: a boa-fé da parte dos Cristãos não-Católicos. Os escritos de Pio XII presumem que muitos, talvez a maioria dos Cristãos protestantes estão fora da Igreja sem culpa. Em outras palavras, não são hereges (especialmente no sentido subjetivo), mas antes, irmãos separados. Têm fé em Deus e em seu filho Jesus Cristo, e muitos atributos espirituais que dão a eles uma profunda afinidade com os Católicos e a Igreja Católica.

A noção de que os Cristãos protestantes têm acesso à verdadeira fé, à fé que justifica, à graça, e ao mesmo Deus, está implícita nos princípios da teologia católica de todos os tempos (que é o porque o ecumenismo é um desenvolvimento consistente e não uma inovação, ou corrupção). Nos escritos de grandes convertidos como Newman, Manning, Chesterton e Knox, Católicos que lembraram seus próprios preciosos estados de mente – encontramos esse ponto de vista afirmado claramente.

Santo Agostinho, por exemplo, uma vez se dirigiu aos homens de fora da Igreja que procuravam unidade:

 "Deixe que tenham raiva de vocês os que não sabem com quanta angústia a verdade é buscada;(...) Eu acho impossível ter raiva de vocês."

"Sobre o Movimento Ecumênico" foi publicado pelo Santo Ofício em 1949. Permitia a Católicos, com aprovação de seus bispos, participarem em diálogo teológico com cristãos protestantes. Isso foi um reconhecimento oficial católico ao movimento ecumênico. O documento permitiu que reuniões ecumênicas fossem abertas e encerradas com oração em comum.

Todo o desenvolvimento do ecumenismo católico mencionado acima ocorreu nos 80 anos entre o tempo do pontificado de Leão XIII (desde 1878) até o reino de Pio XII (que morreu em 1958). Os conhecidos, extensivos e profundos esforços ecumênicos do Papa João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, não estão sequer incluídos. Claramente, o ecumenismo tem sido o desenvolvimento católico mais digno de nota de nosso tempo, superando até mesmo o desenvolvimento mariológico, cujas raízes foram deitadas bem anteriormente às do ecumenismo Católico moderno.

ARMSTRONG, Dave. Apostolado Veritatis SplendorECUMENISMO PRÉ-VATICANO IIDisponível em http://www.veritatis.com.br/article/5547. Desde 01/12/2008.


Livros a não perder


Les dernières années ont vu s'épanouir un étonnant renouveau de la christologie, qui tient pour une large part à la prise de conscience de plus en plus aiguë d'une distance inquiétante entre le discours théologique classique à partir des grandes affirmations conciliaires, et les résultats des recherches exégétiques sur les témoignages du Nouveau Testament. Cette recherche se trouve jalonnée par les ouvrages de grands théologiens catholiques tels que Chr. Duquoc, K. Rahner, D. Wiederkehr dans « Mysterium Salutis », P. Schoonenberg, H. Urs von Balthasar, E. Schillebeeckx. L'ouvrage majeur de Walter Kasper, professeur à la faculté de théologie catholique de Tübingen, marque assurément une date dans ce renouveau christologique. Le titre « Jésus le Christ » est lui-même tout un programme : il exprime le propos de l'auteur de situer le centre de gravité de la christologie au niveau du rapport sans cesse confronté entre le Jésus des évangiles et de l'histoire, et le Christ annoncé dans un discours de foi toujours plus complexe et développé, ou encore, comme l'écrit l'auteur, « de comprendre Jésus à la lumière de la foi ecclésiale et d'interpréter réciproquement la foi ecclésiale à partir de Jésus ». C'est ce programme que W. Kasper met en œuvre avec une maîtrise exceptionnelle dans cet ouvrage remarquablement informé aussi bien des recherches exégétiques les plus récentes que de la tradition patristique et scolastique.

10 de dezembro de 2008

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ (5) CONCLUINDO


4. CONCLUINDO

Creio que (depois de refletir sobre a reforma ‘eucarística’ do Concílio Vaticano II vista dentro do contexto histórico geral da Liturgia) ficou claro o por quê desta reforma. E já dá para ir percebendo também as dificuldades atuais na implantação da reforma. Afinal, herdamos uma prática e compreensão de Eucaristia com sérios deslocamentos de eixo, que vem de todo o milênio passado, e que, portanto, está enraizada no nosso inconsciente. E, então, fica em aberto, a saudável preocupação: E agora, daqui para frente?!... O que fazer? O caminho está aberto, com certeza cheio de necessárias tensões. Enfim, no sentido atiçar ainda mais a preocupação e o desejo evangelizar dentro do espírito do Concílio Vaticano II, convém também perguntar: Em que pé estamos? O que já assimilamos nestes 40 anos da teologia e da prática do concílio e o que não? Quais são os resquícios daquela teologia eucarística deslocada de eixo (do segundo milênio) que existem por aí? Que providências vamos tomar para adiantar o passo? Afinal, o que nós agora vamos fazer?

BIBLIOGRAFIA Para eventual aprofundamento

ALDAZÁBAL José. A Eucaristia. Petrópolis, Vozes, 2002.

ALVES MELO Antonio. A presença do Senhor na eucaristia: mistério no mistério. Considerações históricas, teológicas e pastorais. In: REB, Petrópolis, 64, fasc. 254, 2004, p. 337-361.

BASURKO X. & GOENAGA J. A. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica. In: BOROBIO Dionísio (Org.). A celebração na Igreja 1: Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo, Loyola, 1990, p. 37-160.

BECKHÄUSER Alberto. Novas mudanças na missa. Petrópolis, Vozes, 20035.

BUYST Ione. Eucaristia: Uma nova prática e uma nova teologia. In: Revista de Liturgia n. 172, 2002, p. 4-8.

BUYST Ione & DA SILVA José Ariovaldo da. O mistério celebrado: memória e compromisso I (= Coleção Livros Básicos de Teologia 9), Valencia-Espanha/São Paulo, Siquem/Paulinas, 2003. BUYST Ione. O sacramento da eucaristia, raiz e centro da comunidade cristã. In: BUYST Ione & JOÃO FRANCISCO Manoel. O mistério celebrado: memória e compromisso II (= Coleção Livros Básicos de Teologia 10), Valencia/Espanha/São Paulo, Siquem/Paulinas, 2004, p. 31-46.

CABIÉ Robert. A Eucaristia. In: MARTIMORT Aimé Georges. A Igreja em oração. Introdução à Liturgia II. Petrópolis, Vozes, 1989.

CNBB. A Sagrada Liturgia 40 anos depois (= Estudos da CNBB 87). São Paulo, Paulus, 2003. EUCARISTIA: Voltemos à Sacrosanctum Concilium. In: Perspectiva Teológica 32, 2000, p. 149-156.

GIRAUDO Cesare. “Num só corpo”. Tratado mistagógico sobre a eucaristia. São Paulo, Loyola, 2003.

GIRAUDO Cesare. Redescobrindo a Eucaristia. São Paulo, Loyola, 2002.

INSTRUÇÃO GERAL sobre o Missal Romano. Petrópolis, Vozes, 2004.

LLOPIS Joan. La liturgia a través de los siglos (= Emaús 6). Barcelona, Centre de Pastoral Litúrgica, 1993.

MARSILI Salvador. A Missa, Mistério Pascal e Mistério da Igreja. In: BARAÚNA Guilherme. A Sagrada Liturgia renovada pelo Concílio. Petrópolis, Vozes, 1964, p. 379-404.

MAZZA Enrico. La celebrazione eucaristica: genesi del rito e sviluppo dell’interpretazione. Milano, San Paulo, 1996. Em francês: L´Action eucharistique: origine, développement, interprétation. Paris, Cerf, 1999.

MELO José Raimundo de. A participação da assembléia dos fiéis na celebração eucarística ao longo da história: e-volução ou in-volução? In: Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, 32, 2000, p. 187-220.

SILVA José Ariovaldo da. Eu te adoro, hóstia divina. A propósito da adoração ao Santíssimo Sacramento e a missa. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 166, 2001, p. 4-5; Grande Sinal, Petrópolis, 55, 2001, p. 437-443.

SILVA José Ariovaldo da. Missa e adoração ao Santíssimo Sacramento. Aprendendo da História. In: Mundo e Missão, São Paulo, n. 77, novembro 2003, p. 34-35.

SILVA José Ariovaldo da. Participação na liturgia. Uma novidade conciliar que já alcança 40 anos. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 174, novembro/dezembro 2002, p. 4-7.

SILVA José Ariovaldo da. “Sacrosanctum Concilium” e reforma litúrgica pós-conciliar no Brasil. Um olhar panorâmico, no contexto histórico geral da liturgia: dificuldades, realizações, desafios. In: CNBB. A sagrada liturgia, 40 anos depois (= Estudos da CNBB 87). São Paulo, Paulus, 2003, p. 33-51; REB, Petrópolis, 63, 2003, p. 278-294.

SILVA José Ariovaldo da. Missa-memória. Missa-homenagem. In: Mundo e Missão, São Paulo, n. 77, novembro 2003, p. 34-35.

VATICANO II. Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Sagrada Liturgia”. In: Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos, Declarações. Petrópolis, Vozes, 1997, p. 259-306.

VISENTIN Pelágio. Eucaristia. In: SARTORE, Domenico & TRIACCA, Achille M. (Orgs.) Dicionário de Liturgia. São Paulo, Paulinas, 1992, p. 395-415.

VV.AA. A Eucaristia. Teologia e história da celebração (= Anámnesis 3). São Paulo, Paulinas, 1987.

9 de dezembro de 2008

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ (4) VATICANO II: RESGATE DO ESSENCIAL “PERDIDO”


3. VATICANO II: RESGATE DO ESSENCIAL “PERDIDO”


No final do século XIX, mas principalmente dos inícios do século XX para cá, a partir dos avanços nas pesquisas das fontes bíblicas, patrísticas, litúrgicas, e até mesmo arqueológicas, do primeiro milênio, começou-se a perceber o quanto havíamos nos distanciado das tradições cristãs mais antigas e das raízes cristãs mais genuínas no que diz respeito à Eucaristia.
Desenvolve-se então na Igreja um grande movimento de resgate do verdadeiro sentido da Liturgia para as comunidades cristãs. Trata-se do chamado “movimento litúrgico” que, sem dúvida, preparou muito bem o terreno para o advento do concílio Vaticano II.
E, então, que faz o Concílio? Com a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, ele resgata uma série de elementos “eucarísticos” essenciais que praticamente havíamos perdido de vista em todo o segundo milênio. E aí que está o imenso e inquestionável valor do Concílio!
3.1. Resgata-se a centralidade do mistério pascal: A eucaristia é celebração do mistério pascal, memorial da morte e ressurreição do Senhor Jesus. Resgata-se o verdadeiro sentido pascal do “mistério da fé”: “Anunciamos, Senhor a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição...”. Resgata-se a centralidade do altar da celebração no espaço da celebração.
3.2. Resgata-se consciência da presença real do Senhor na globalidade da celebração: na assembléia, na Palavra, na pessoa do sacerdote que preside, e sob as espécies de pão e de vinho (cf. SC 7)
3.3. Resgata-se a principal fonte de espiritualidade cristã, a saber, a Eucaristia como celebração memorial da Páscoa (cf. SC 14).
3.4. Resgata-se a centralidade da Palavra, provocando-nos assim a levá-la a sério, com leitores qualificados, ambão em destaque, uso do lecionário e/ou evangeliário, prática obrigatória da homilia nos domingos e dias de festa (cf. SC 24-25).
3.5. Resgata-se a consciência da Liturgia da Palavra e da Liturgia eucarística como um só ato de culto, como dois momentos de vivência da mesma Aliança.
3.6. Resgata-se o mistério celebrado como principal fonte de inspiração teológica. Uma teologia eucarística terá que ser elaborada sobretudo a partir da experiência de Deus na divina Liturgia (escuta da Palavra e participação no Sacramento).
3.7. Resgata-se a mistagogia como metodologia mais apropriada na iniciação à vida eucarística. Iniciar à vida eucarística a partir do rito, da ação eucarística. Um grande desafio que ainda temos pela frente, na catequese!
3.8. Resgata-se o caráter comunitário, ministerial e participativo da celebração eucarística. Resgata-se o sujeito da ação eucarística como sendo a comunidade eclesial, povo sacerdotal, corpo de Cristo (cf. SC 26 e 48). Reconhecem-se os diferentes ministérios leigos na liturgia (acólitos, leitores, músicos, instrumentistas, sacristão, comentarista, acolhida etc.) como verdadeiros “ministérios litúrgicos”. E é impressionante como “Sacrosanctum Concilium” realça a participação plena, consciente, ativa e frutuosa na celebração da divina Liturgia como um direito e um dever de todos (cf. SC 14 e, sobretudo, SC 48).
3.9. Resgata-se o sentido da ação eucarística como “comer e beber juntos em ação de graças”.
3.10.Resgata-se a necessidade de a celebração da Eucaristia se adaptar às diferentes culturas e índoles dos povos, com sua linguagem verbal, gestual e musical próprias (cf. SC 37-40).
3.11. Resgata-se a “nobre simplicidade” da liturgia eucarística de nossa tradição romana do primeiro milênio (cf. SC 34). Isto é, trata-se de garantir o essencial: a Palavra e o mistério pascal. Há uma tendência hoje (precisamente por causa de uma mentalidade viciada que herdamos de todo um milênio passado) de querer complicar tudo de novo, de inflacionar nossas missas novamente com um monte de “adornos” e “entulhos” que só vem comprometer a visão daquilo que é essencial na celebração da Eucaristia. Um exemplo só: Certas missas hoje são tão barulhentas, do começo ao fim, com tanto canto, com instrumentos musicais estridentes abafando as vozes do povo, com tanta fala e palavrório, tanto ruído, tantos shows, que não se abre praticamente espaço para o principal Participante “falar”, não se abre espaço para o Senhor se manifestar..., precisamente na suavidade, na calma e no silêncio.
3.12. Enfim, resgata-se a preocupação com a qualidade teológica, ritual, espiritual, pascal da celebração eucarística. Daí a insistência na formação litúrgica em todos os níveis (cf. SC 14-20). E quando dizemos “formação litúrgica”, entende-se como um processo permanente de aprendizado e aprofundamento sobre o sentido teológico-espiritual da ação celebrativa eucarística, do qual deve brotar naturalmente um comportamento solidário dentro da sociedade, segundo a justiça do Evangelho . Graças a Deus, hoje está havendo um despertar para a necessidade de tal formação em muitas de nossas comunidades.

8 de dezembro de 2008

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ (3) A EUCARISTIA, SUA CELEBRAÇÃO E COMPREENSÃO NO SEGUNDO MILÊNIO


2. A EUCARISTIA, SUA CELEBRAÇÃO E COMPREENSÃO NO SEGUNDO MILÊNIO: DESLOCAMENTOS DE EIXO


Como o título já sugere, no segundo milênio constatamos uma série de deslocamentos de eixo na celebração e compreensão da Eucaristia. Vejamos:
2.1. Da centralidade do mistério pascal, do primeiro milênio, passou-se no segundo milênio para a centralidade do Santíssimo Sacramento (como “presença real”) e dos Santos. Mais importante que a eucaristia como celebração memorial da morte e ressurreição do Senhor Jesus, é então a hóstia consagrada e os Santos. Centro não é mais a mesa do Senhor em torno da qual a assembléia se reúne para a celebração pascal, mas o sacrário (por isso, é ele que agora, em muitas igrejas, vem coberto com um baldaquino!) e a imagem do(a) padroeiro(a) no topo do altar-mor. A festa mais importante e imponente do ano não é mais a Páscoa, mas Corpus Christi e a festa do(a) padroeiro(a).
2.2. Vimos que no primeiro milênio a presença real de Cristo era vivenciada (sentida) na globalidade da celebração (na assembléia, na Palavra, na presidência, nas espécies de pão e vinho). No segundo milênio esta presença é vista quase que exclusivamente no pão e no vinho consagrados, mas sobretudo na hóstia consagrada. Esquecem-se as outras presenças!
2.3. Se no primeiro milênio a Eucaristia como celebração memorial da Páscoa é que constituía a principal fonte de espiritualidade cristã, agora (no segundo milênio) a fonte de espiritualidade é a devoção ao Santíssimo Sacramento e aos Santos.
2.4. Se no primeiro milênio a Palavra era levada a sério, no segundo milênio o povo praticamente perdeu o contato com a Palavra. Pois o padre lia as leituras em voz baixa, só para ele, de costas, em latim, lá no altar distante colado à parede. Desaparece a prática de leitores proclamando a Palavra. O lecionário é engolido pelo missal. A homilia (explicação da Palavra ouvida) virou sermão (discurso sobre um tema que pode não ter nada a ver com a Palavra ouvida). O ambão virou púlpito de oratória sacra. E o povo substitui a Palavra pela leitura da vida (muitas vezes lendária) dos Santos.
2.5. Se no primeiro milênio prevalecia a consciência de que a Liturgia da Palavra e a Liturgia eucarística constituíam um só ato de culto, no segundo milênio acontece uma separação entre estes dois momentos celebrativos da mesma Páscoa. Tanto é que o primeiro momento era chamado de “Ante-missa”. Importante era estar presente na hora da Liturgia eucarística. E se cria que bastava fiel chegar na hora do ofertório (como diziam) para dar pleno cumprimento ao preceito dominical.
2.6. Se no primeiro milênio o mistério celebrado é que constituía a principal fonte de inspiração teológica e a teologia eucarística era elaborada principalmente a partir da experiência do mistério de Deus na divina Liturgia, no segundo milênio a teologia eucarística vira especulação racional (por influência da Escolástica) sobre a Eucaristia (existência, essência, efeitos, ministro, sujeito da Eucaristia). Tem-se uma visão por demais “material” da Eucaristia. Esta vira um objeto de estudo, como se fosse uma “coisa” a ser pesquisada, pois se perde sua dimensão celebrativa pascal como fonte de compreensão .
2.7. A própria metodologia de iniciação à vida eucarística e ao conhecimento da Eucaristia mudou. Se antes se aprendia o que é Eucaristia “na igreja” (isto é, a partir do rito, a partir da ação eucarística), agora, no segundo milênio, ensina-se Eucaristia na escola, em salas de aula, a partir de conceitos elaborados pela teologia escolástica. Catequese eucarística virou “decoreba” de conceitos sobre Eucaristia, com tendência a moralismos...
2.8. Lembrávamos também o caráter comunitário e ministerial da celebração eucarística no primeiro milênio. Agora, no segundo milênio, o que predomina é o individualismo religioso. Enquanto o padre faz a “sua” reza lá no altar, o povo (do lado de cá) se entretém com suas devoções (terço, novenas etc.). Multiplicam-se as missas votivas (como cumprimento de promessa). Multiplicam-se as missas privadas (o padre rezando sozinho a missa), pois aumenta consideravelmente a demanda por missas pelos defuntos. E para poder atender à imensa demanda por missas votivas e pelos defuntos, multiplicam-se os padres “altaristas” (ordenados só para rezar missa!), bem como os altares laterais nas igrejas. Hoje, como se vê pelo noticiário da nossa imprensa, missa também é entendida como uma “cerimônia” que se “encomenda”, ou se “promove”, para “homenagear” alguém (vivo ou falecido), ou para celebrar a “memória” de alguma pessoa ou evento importante e, inclusive, para “festejar” e “comemorar” algum aniversário significativo ou abrilhantar algum acontecimento social; uma cerimônia feita por um profissional religioso contratado (bispo ou padre), à qual a gente “assiste”... .
2.9. Se no primeiro milênio a ação eucarística era entendida como um “comer e beber juntos em ação de graças”, agora, no segundo milênio, predomina a prática de cada um fazer a “sua” comunhão devocional, de vez em quando. A comunhão deixa de ser entendida pelo povo como parte integrante de sua participação na ação memorial da Páscoa, para ser entendida mais como devoção pessoal (feita inclusive fora da missa). Aliás, comungar normalmente na missa chegou a ser mesmo coisa muito rara. E daí, que se fez? Substitui-se a comunhão pela adoração da hóstia. Ver e adorar a hóstia na hora da consagração passou a ser para o povo o ponto alto da missa. Por isso (já que o padre celebra de costas), os padres introduzem (na hora da consagração) o gesto de levantar bem alto a hóstia, acima de sua cabeça, para o povo poder vê-la e adorá-la. No primeiro milênio não existia nada disso!... Posteriormente, fazem o mesmo também com o cálice. E mais, adotam o costume de tocar campainhas naquela hora, exatamente para motivar e incentivar a adoração .
2.10. Vimos que no primeiro milênio a celebração eucarística acontecia de forma adaptada às várias culturas com sua linguagem verbal e gestual. Agora, no segundo milênio, impõe-se no ocidente o centralismo romano, a uniformidade romana. Implanta-se uma linguagem verbal (o latim) e gestual rigidamente igual para todas as igrejas do ocidente (com exceção da arquidiocese de Milão), para celebrar a Eucaristia. Por exemplo, nossos índios e negros no Brasil tiveram que “aprender” a assistir a missa rezada em latim! Celebrar a eucaristia (mistério pascal) na língua deles (tupi, guarani, africana etc.), nem pensar! Era a mentalidade da época!...
2.11. Vimos que a liturgia eucarística romana, no primeiro milênio, tinha a característica de ser simples, prática, literariamente elegante, com as orações dirigidas geralmente ao Pai (por Cristo, no Espírito Santo). E não havia manifestações de adoração ao Santíssimo na missa. Na verdade, o que se buscava era garantir o essencial, a saber, a Páscoa. No segundo milênio nós vemos celebração eucarística transformada num cerimonial complicadíssimo, com inúmeros gestos e movimentações dos ministros de um lado para outro, com inúmeras orações em latim ditas em voz baixa. A complicação atinge seu auge com a pompa barroca. A missa solene se transforma num espetáculo para a visão, com aquele imenso retábulo cheio de flores, castiçais, luzes, imagens de anjos e santos, que se levanta sobre a mesa do altar, e com a imagem do(a) padroeiro(a) lá em cima no topo. Sem falar do monumental e luxuoso sacrário em destaque no centro do retábulo, sobre o altar, bem como dos suntuosos paramentos bordados em ouro adornando os ministros sagrados envoltos em nuvens de fumaça de incenso. Os sinos tocam na hora da consagração, chamando todos à adoração da hóstia que se levanta solene. Terminada a consagração, toca também a banda de música, inclusive o hino nacional. Numa palavra, a missa se transforma num espetáculo para a visão. Enquanto isso (enquanto se assiste ao show), o povo também se entretém ouvindo os grandes concertos musicais do coral cantando as célebres “Missas” com acompanhamento de órgão e orquestra. Portanto, a missa vira um espetáculo para os olhos e para os ouvidos, em que os elementos exteriores do culto acabaram por “roubar a cena” (quase que por completo) daquilo que é o cerne da celebração eucarística, a saber, a Páscoa (paixão, morte e ressurreição do Senhor). E as missas não solenes continuam sendo encaradas como uma “reza” do padre que a gente encomenda....
2.12. Enfim, chamávamos a atenção para a preocupação pela qualidade da celebração eucarística no primeiro milênio (qualidade teológica, ritual, espiritual, pascal), procurando fazer ao mesmo tempo a ligação liturgia e vida. No segundo milênio, preocupa-se mais com um discurso teológico intelectual racional do que com uma teologia e espiritualidade pascais que brotam da própria experiência celebrativa. Sem falar na preocupação por demais centrada no aparato externo e rubrical das cerimônias a serem executadas pelos padres. Como vemos no missal de Pio V (1570): Tanto na sua Introdução como nas suas rubricas internas, toda a orientação gira em torno do que o padre rigorosamente deve fazer e como deve executar. Esquece-se, portanto, que existe um povo!... Na há uma preocupação com a participação deste povo na ação memorial pascal. A qualidade teológica e comunitária cede lugar para um exagerado legalismo e rubricismo litúrgicos.
2.13. Dá a impressão que o segundo milênio, do ponto de vista da compreensão e celebração da Eucaristia, foi totalmente negativo. Foi e não foi! Foi, porque a liturgia eucarística como celebração pascal, uma vez colocada longe do alcance do povo, foi parar em segundo plano, fora de eixo. Uma enorme perda! E não foi negativo, porque o povo, longe da liturgia, soube sabiamente criar uma enorme força alternativa de resistência frente às intempéries da vida. Como? Apoiando-se nas práticas devocionais ao Santíssimo Sacramento e aos Santos. Se tivesse sido diferente, como foi no primeiro milênio, com certeza teria sido bem melhor, é claro!...

Frei José Ariovaldo da Silva, OFM

7 de dezembro de 2008

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ (2) A EUCARISTIA, SUA CELEBRAÇÃO E COMPREENSÃO NO PRIMEIRO MILÊNIO


1 . A EUCARISTIA, SUA CELEBRAÇÃO E COMPREENSÃO NO PRIMEIRO MILÊNIO:
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS

Como primeira característica destacamos a centralidade do mistério pascal. A saber, a eucaristia era entendida como celebração do mistério pascal, memorial da morte e ressurreição do Senhor Jesus. Assim, o altar era o ponto central, a referência de toda a celebração. Tanto que, para realçar a sua centralidade, em muitas igrejas se colocava sobre ele até mesmo uma espécie de cobertura, uma cúpula (sustentada por quatro colunas), chamada de baldaquino.
A presença real de Cristo era vivenciada (sentida) na globalidade da celebração (na assembléia reunida, na Palavra proclamada, na presidência da celebração e, sobretudo, nas espécies de pão e vinho).
A Eucaristia como celebração memorial da Páscoa é que constituía a principal fonte de espiritualidade cristã. O “lugar” onde os cristãos encontravam força para levar adiante a missão de Jesus era precisamente a celebração da Eucaristia como memorial pascal.
Outra característica: a centralidade da Palavra proclamada. Esta, como presença viva do Senhor falando para o seu povo, era levada a sério, com leitores qualificados, ambão, lecionário, homilia.
Prevalecia a consciência de que a Liturgia da Palavra (como momento do diálogo da Aliança) e a Liturgia eucarística (como momento do selo da Aliança) constituíam um só ato de culto
O mistério pascal celebrado é que constituída a principal fonte de inspiração teológica. A saber, a teologia eucarística era então elaborada principalmente a partir da experiência do mistério de Deus na divina Liturgia (escuta da Palavra e participação no Sacramento). Estudava-se a Eucaristia no culto e a partir do culto. Como ensinava Santo Ambrósio: “Vocês querem conhecer a Eucaristia? Vejam o que dizem as orações eucarísticas da tradição das igrejas” .
A própria iniciação à vida eucarística obedecia uma metodologia própria: a mistagogia. A pessoa era iniciada à compreensão e celebração eucarística a partir do rito, isto é, a partir da ação eucarística. O mistagogo ensinava a Eucaristia com um olhar nos seus ouvintes e o outro olhar no altar.
Característico também do primeiro milênio é o caráter comunitário e ministerial da celebração eucarística. A saber, o sujeito da ação eucarística era entendido como sendo a comunidade eclesial reunida em assembléia, povo sacerdotal, corpo de Cristo. E isto significa que a celebração era participada por todos, havendo nela inclusive uma variedade de ministérios litúrgicos.
E mais, por ser a celebração eucarística uma ação comunitária e ministerial, ela era entendida precisamente como um “comer e beber juntos em ação de graças”, obedecendo ao mandato de Cristo: “Tomai e comei... tomai e bebei”.
Outra característica: a celebração do mistério pascal acontecia de forma adaptada às diferentes culturas com sua linguagem verbal e gestual própria, surgindo daí toda uma rica diversidade de famílias litúrgicas tanto no oriente como no ocidente. Dentre os mais diferentes ritos elaborados, destaca-se do rito romano, próprio da diocese de Roma, ao qual nós pertencemos e com o qual nós celebramos a Eucaristia.
A liturgia eucarística romana, no primeiro milênio, tinha a característica de ser simples, prática, literariamente elegante, com as orações dirigidas geralmente ao Pai (por Cristo, no Espírito Santo). E não havia manifestações de adoração do Santíssimo na missa. Na verdade, o que se buscava era garantir o essencial, a saber, a Páscoa. Tratava-se de celebrar o mistério pascal, e evitava-se tudo o que pudesse distrair ou “roubar a cena” deste centro absoluto de nossa fé. Nada de muitas palavras nem muitos enfeites para não distrair a assembléia do mistério que se celebra.
Enfim, havia uma preocupação com a qualidade (teológica, ritual, espiritual: pascal) da celebração eucarística, procurando fazer ao mesmo tempo a ligação liturgia e vida.

A REFORMA ‘EUCARÍSTICA’ DO CONCÍLIO VATICANO II VISTA DENTRO DO CONTEXTO HISTÓRICO GERAL DA LITURGIA (1)


Já celebramos os 40 anos da Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Sagrada Liturgia (SC), do Concílio Vaticano II, publicada no dia 03.12.1963. Por ocasião do 40o aniversário deste importante documento conciliar, a Dimensão Litúrgica da CNBB promoveu inúmeros encontros de estudos pelo Brasil afora em torno da Liturgia renovada pelo concílio. O mais importante deles foi o Seminário Nacional sobre a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, acontecido nos dias 10 a 13 de março de 2003, em São Paulo. Tais encontros ajudaram muita gente a tomar consciência sobre o sentido e a importância da reforma litúrgica do Vaticano II. E também ajudaram muita gente a se aprofundar ainda mais sobre o alcance teológico-pastoral da reforma, bem como serviram de incentivo para levar adiante o sonho litúrgico concílio...
Estamos diante de uma Constituição sobre a Liturgia. Todos sabem o que significa isso: uma Constituição! Temos a nossa Constituição Federal, isto é, a Carta Magna que espelha o rosto da Nação e rege a vida em comum do povo brasileiro. As Ordens e Congregações Religiosas têm suas Constituições Gerais, isto é, a Carga Magna que espelha o carisma próprio de cada uma e rege a vida em comum de seus membros. E a Constituição sobre a Liturgia? É a Carta Magna que, com seus princípios teológicos e pastorais, espelha, ilumina e orienta a vida litúrgica da Igreja que, em milhares de comunidades pelo mundo afora, se reúne para celebrar e viver a Páscoa de Cristo e, em Cristo, a nossa páscoa.
O segundo capítulo da “Sacrosanctum Concilium” trata especificamente da Eucaristia (cf. SC 47-58), sobre a qual estamos estudando. Mas atenção: não podemos abordar a Eucaristia apenas se atendo a este capítulo! Pois o primeiro capítulo (que apresenta os princípios gerais: Natureza e importância da liturgia na vida da Igreja, formação e participação litúrgicas, a reforma litúrgica, a vida litúrgica nas dioceses e paróquias, a pastoral litúrgica), no fundo também fala dela enquanto celebração pascal. Este primeiro capítulo é fundamental para uma correta compreensão da Eucaristia renovada pelo Vaticano II.
Mas antes, há que se tratar da reforma ‘eucarística’ do Concílio Vaticano II vista dentro do contexto histórico geral da Liturgia. E é o que vamos fazer aqui. Trata-se de uma primeira abordagem, a meu ver, de suma importância, pois nos possibilita intuir e perceber com maior nitidez três coisas. Primeiro: O por quê da reforma do Vaticano II. Segundo: O por quê das dificuldades na implantação da reforma em nosso meio, não obstante os 40 anos já passados. Terceiro: Motiva-nos a levar mais a sério a orientação teológico-pastoral do concílio no que diz respeito, no nosso caso, à reforma ‘eucarística’.
Para tanto, veremos primeiro, sinteticamente, algumas características da eucaristia (sua celebração e compreensão) no primeiro milênio da era cristã. Em seguida, em paralelo a estas, destacaremos as “mudanças” acontecidas no segundo milênio, o que vai naturalmente nos acordar para o alcance teológico-pastoral da reforma ‘eucarística’ do Vaticano II.

* Frei José Ariovaldo da Silva é frade franciscano, doutor em Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico “Santo Anselmo” de Roma. Atualmente é professor de Liturgia no Instituto Teológico Franciscano, em Petrópolis (RJ). Também assessora cursos de Liturgia (Atualização, Especialização) na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. É membro da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI), da qual foi primeiro presidente. Faz parte da equipe de reflexão da Dimensão Litúrgica da CNBB. Faz conferências e presta assessoria em cursos, seminários e semanas de Liturgia em paróquias e dioceses pelo Brasil afora. Publicou O movimento litúrgico no Brasil. Estudo histórico (Petrópolis, Vozes, 1983) (= sua tese doutoral), e O domingo, páscoa semanal dos cristãos. Juntamente com Ione Buyst publicou O mistério celebrado: memória e compromisso (= Coleção Livros Básicos de Teologia 9) (Valencia/Espanha – São Paulo, Siquem – Paulinas, 2003). Juntamente com Pe. Marcelino Sivinski organizou a publicação Liturgia, um direito do povo (Petrópolis, Vozes, 2000). Tem colaborado em várias obras coletivas, bem como para as revistas Grande Sinal (Petrópolis), REB (Petrópolis), Revista de Liturgia (São Paulo). Atualmente escreve mensalmente um artigo relacionado à Liturgia para a revista Mundo e Missão (São Paulo).

6 de dezembro de 2008

Ecclesia de Trinitate, De onde vem a Igreja


A concepção de Igreja predominante na teologia católica anterior ao Concílio Vaticano II caracterizava-se por aquilo que Yves Congar descreve como "cristomonismo". A expressão evidencia a atenção privilegiada que se dispensava aos aspectos visíveis, «encarnacionistas» da Igreja, em detrimento da dimensão mistérico-sacramental, segundo a qual o visível é evocação, sinal e instrumento de uma realidade visível mais ampla e fecundante.

O primeiro capítulo da constituição "De Ecclesia" (Lumen gentium) representa o resgate da profundidade trinitária da Igreja: "De unitate Patris et Filii et Spiritus Sancti plebs adunata" (São Cipriano). A Igreja provém da Trindade, é estruturada à imagem da Trindade e ruma para o acabamento trinitário da História. Vinda do alto ("oriens ex alto"), plasmada pelo alto e rumo ao alto ("Regnum Dei praesens in mysterio", LG3), a Igreja não se reduz às coordenadas da história, do visível e do disponível.

A Igreja vem da Trindade: o universal desígnio salvífico do Pai (LG2), a missão do Filho (LG3), a obra santificante do Espírito (LG4) edificam a Igreja como «mistério», obra divina no tempo dos homens, preparada desde a origem ("Ecclesia ab Abel"), reunida pela Palavra encarnada ("Ecclesia creatura Verbi") sempre de novo vivificada pelo Espírito Santo (Igreja, templo do Espírito Santo).

A Igreja é ícone da Trindade Santa: por uma "não-medíocre analogia", ela é comparada ao mistério do Verbo encarnado (LG8), na dialéctica do visível e do invisível, ao mesmo tempo que a sua "comunhão" - una na diversidade das Igrejas locais, dos seus carismas e ministérios - reflecte a comunhão trinitária (cf. LG II-IV).

A Igreja orienta-se para a Trindade: é Igreja dos peregrinos na conversão e reforma contínuas ("Ecclesia semper reformanda") em comunhão com a Igreja celeste, preparando-se desde já para a glória final (cf. LG VII, VIII).

Bruno Forte, Ecclesia de Trinitate, De onde vem a Igreja, da obra "A Igreja Ícone da Trindade"

CARTA APOSTÓLICA SOB FORMA DE MOTU PROPRIO CONCILIUM


A 25 de Dezembro do ano passado, 1961, festa do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo, actuando uma decisão longamente amadurecida no Nosso espírito, e ao mesmo tempo satisfazendo a expectativa comum do mundo católico, com a Constituição apostólica «Humanae salutis» convocámos para o corrente ano de 1962 a celebração do Concílio Ecuménico Vaticano II.

Agora, depois de atenta reflexão, e com o fim de darmos aos participantes do Concílio a possibilidade de predisporem com tempo todas as coisas, determinamos estabelecer para o dia 11 do próximo mês de Outubro a inauguração do Concílio Ecuménico Vaticano II. Escolhemos esta data sobretudo por este motivo: porque ela se prende à lembrança do grande Concílio de Éfeso, que teve suma importância na história da Igreja.

Ao aproximar-se tão solene assembleia, não podemos deixar de exortar, ainda uma vez, todos os Nossos filhos a intensificarem sempre mais as suas orações a Deus pelo feliz êxito deste acontecimento, ao qual estamos aplicados juntamente com os Nossos veneráveis Irmãos e dilectos Filhos directamente empenhados nos trabalhos de preparação do mesmo Concílio, e em união com todo o clero e povo cristão, que vivamente o esperam. Os frutos que ardentemente desejamos desta celebração são sobretudo estes: que a Igreja, esposa de Cristo, revigore sempre mais as suas divinas energias e, na mais vasta medida, estenda a sua benéfica influência às almas dos homens. Deste modo, há motivo para esperar que, volvendo mais confiadamente o olhar para Cristo, «lumen ad revelationem gentium», os povos — especialmente aqueles que com tanta dor vemos sofrer por motivo de desventuras, discórdias e lutuosos conflitos — possam, finalmente, alcançar uma verdadeira paz, no respeito dos direitos e dos deveres recíprocos.

Por isso, após madura deliberação, por motu proprio e em virtude da Nossa autoridade apostólica, estabelecemos e decretamos que o Concílio Ecuménico Vaticano II tenha início no dia 11 de Outubro do corrente ano.

Dado em Roma, em S. Pedro, no dia 2 de Fevereiro, festa da Purificação da bem-aventurada Virgem Maria, do ano de 1962, quarto do Nosso Pontificado.

JOÃO XXIII, PAPA

5 de dezembro de 2008

Santo Anselmo



Filósofo, teólogo, prior (1063) e abade (1078) de Bec, na Normandia, e, por último, arcebispo de Cantuária (nasceu em Aosta, em 1033/1034, faleceu no mosteiro de Bec, em 1109), uma das figuras mais humanas e atraentes de toda a Idade Média, que o agraciou com o título de Doutor Magnífico.
Como abade, Santo Anselmo empenhou-se na reorganização da vida monástica, distinguindo-se, dentro e fora do mosteiro, pela agudeza da inteligência, afabilidade de trato e santidade de vida. Nomeado arcebispo de Cantuária em 1093, promoveu a reforma do clero, as formas tradicionais do culto e da liturgia, lutou ardorosamente pela liberdade da Igreja na Inglaterra, o que lhe acarretou não poucos dissabores e o exílio por duas vezes.
Doutrina - Santo Anselmo continuou e desenvolveu o método rigoroso de Lanfranco, utilizando largamente a dialéctica na exposição da doutrina revelada em obediência ao princípio augustiniano da fé à procura da inteligência (fides quaerens intellectum). A sua síntese doutrinal impõe-se na história do pensamento, tanto pela variedade dos temas abordados - inteligência da fé, existência e atributos de Deus, criação, rectidão, verdade e justiça, graça e liberdade, etc. - , como pela profundidade e originalidade com que são estudados.
Toda a sua obra reflecte o esforço do crente que procura descobrir o rosto de Deus tanto no mistério da sua vida íntima como nas criaturas, que são sua imagem ou ainda nos acontecimentos providenciais da história. A palavra de Deus é assumida como fonte primeira e critério último de toda a especulação anselmiana. Nas Escrituras encontra a dialéctica racional o seu ponto de apoio, o seu estímulo e a sua garantia. Por sua vez, o movimento dialéctico é alimentado pela exigência de rectidão, de tal modo que a fórmula já referida se pode converter nesta outra não menos significativa - a fé à procura da sua rectidão (fides quaerens rectitutinem). Esta ideia, colhida, ao que parece, em São Gregório Magno, surge expressamente formulada no diálogo Sobre a verdade, redigido pouco depois do Proslogion, em íntima conexão com as ideias de verdade e de justiça em Deus e nas criaturas. A partir desta intuição primeira e fundamental, Santo Anselmo construiu uma síntese em que filosofia, teologia e espiritualidade se conjugam harmonicamente na construção da sabedoria cristã. Importa salientar, no entanto, que ao conceder estatuto racional às verdades da fé, Santo Anselmo teve em vista não tanto construir uma apologética como, sobretudo, satisfazer o ardor da contemplação.
Por diversas vezes e em diversos lugares deparamos com o princípio do crer para compreender e do compreender para mais e melhor amar. Este ardor de contemplação mística explica a procura para os mistérios da fé não já de razões de simples conveniência, mas de “razões necessárias”. Contudo, importa não esquecer que a confiança depositada na razão é sempre determinada e medida pela solidez da fé. Precisamente, o mérito de Santo Anselmo reside no perfeito equilíbrio que soube manter entre a natureza e a graça, entre a razão e a fé.

Para ler o restante texto que foi publicado na LUSOSOFIA.NET com a benévola e graciosa autorização da Editorial Verbo, onde a obra integral do Professor Manuel Barbosa da Costa Freitas foi editada:
O Ser e os Seres. Itinerários Filosóficos, 2 vols., Editorial Verbo, Lisboa, 2004 (1º Vol., pp. 92-96).

4 de dezembro de 2008

Cardeal Kasper e o Ecumenismo


Prezados Irmãos e Irmãs, gostaria de acrescentar ainda uma reflexão. Na vigília da sua morte, Jesus rezou: "A fim de que todos sejam um só, para que o mundo creia". Por conseguinte, a unidade dos discípulos de Cristo deve ser um sinal e instrumento da unidade e da paz no mundo. Se consideramos o trajecto do Ícone de Nossa Senhora de Kazan' no Ocidente, para além das fronteiras da Rússia, e o seu regresso ao país onde era tão venerado, damo-nos conta de que, depois da divisão do mundo em dois blocos opostos, na época da chamada guerra fria, após a derrocada da cortina de ferro e do muro de Berlim, este Ícone constitui inclusivamente o símbolo da nova Europa e do processo de unificação do continente, ao qual também a Rússia pertence cultural e religiosamente. Mediante a sua viagem pelo mundo, a Mãe de Deus de Kazan' tornou-se a intercessora e a protectora da Europa, mas sobretudo das raízes e dos valores do continente europeu.

Depois de duas guerras e de duas ditaduras totalitárias e ateias, que caracterizaram o século XX há pouco terminado, e perante o fenómeno imperante do secularismo, a Europa tem necessidade de uma profunda renovação na fé. Nossa Senhora representa todos os valores que esta renovação pressupõe: a dignidade da pessoa humana, a santidade de vida, a salvaguarda do matrimónio e da família e os valores do direito e da justiça como colunas da paz. A vida e a unidade da comunidade dos povos europeus só poderão ser estáveis, se se fundamentarem sobre estes valores.

Convido todos vós a acompanhar a nossa viagem a Moscovo e a entrega do Ícone com as vossas preces, a fim de que esta missão constitua um acontecimento espiritual abençoado por Deus e um passo rumo à plena comunhão com a Igreja ortodoxa russa e à reconciliação na Europa.

A Mãe de Deus de Kazan' seja para nós um exemplo ao longo do caminho da fé; constitua uma bênção para a Rússia e para a Europa inteira; possa Ela obter um futuro pacífico para o continente europeu, na justiça e na liberdade; enfim, possa Ela constituir uma ajuda para a unidade de todos os cristãos. Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, roga por nós.