15 de maio de 2008

Na sala da ex-Inquisição

Os fatos objetivos sempre vêm revestidos dos sentimentos daqueles que os vivem. Como senti eu os eventos de meu processo na ex-Inquisição em Roma em 1984?

Pontualmente às 9.00 horas oficiais do Vaticano vieram me buscar. Antes mesmo de me despedir de meu Superior, me agarraram e me empurram para dentro do carro que saiu em disparada até o Vaticano, próximo daí. Senti-me como alguém sequestrado pelas "brigatte rosse".

Escoltado por guardas suiços, fui conduzido ao elevador. No andar de cima, outros dois guardas me esperavam com o Cardeal Inquisidor, Joseph Ratzinger todo paramentado de cardeal e eu com o simples burel. Saudei-o em bávaro para desanuviar a tensão. Mas imediatamente fui conduzido por um longo salão de uns cem metros todo acarpetado, com paredes repletas de quadros renascentistas. No fim, uma pequeníssima porta. Mal podia passar. É um sala pequena, cercada de livros,com minúsculo pódio onde se sentam o inquisido e o inquisidor. Abaixo, o notário anota tudo. Sem delongas começa o trabalho. Eu atalho o Cardeal e lhe digo: Sr. Cardeal, no meu pais somos ainda cristãos; em coisas sérias invocamos Deus. Ao que o Cardeal, surpreso, inicia ritualmente a recitação do Veni Sancte Spiritus. Para uma visão jurídica da Igreja, Deus realmente sobra. Comecei a ler o que havia preparado. O Cardeal fez apenas duas interrupções. Uma para saber o que era uma Comunidade Eclesial de Base que ele imaginava uma célula comunista onde se preparavam os militantes porque ai se fala sempre em luta. E outra com a qual estou em disputa com ele até os dias de hoje. Afirma ele: só na Igreja Católica se encontra a Igreja de Cristo. Nas outras há apenas elementos, como portas e paredes mas não chegam a formar uma casa. Por isso não são igrejas nem devem, de direito, ser assim chamadas. Coisa que considero ofensivo, arrogante e simplesmente errôneo face à Tradição.

Houve pausa de café no grande salão. De todos os lados, vinham funcionários com o seu exemplar do livro condenado Igreja: carisma e poder pedindo autógrafos, coisa que irritou sobremaneira o Cardeal. Em todos escrevi a mesma coisa:"Conserve a herança de Jesus, a liberdade, conquistada não com palavras mas com o próprio sangue". A sós, o Cardeal e eu olhávamos as telas, até pararmos diante de uma enorme com um São Francisco, todo lascado, mas transfigurado no alto. No chão, de joelhos, o Papa com a tríplice coroa na cabeça. Eu disse ao Cardeal: eis o símbolo da Igreja que defendemos,dos pobres, figurada por S. Francisco e o Papa de joelhos a seu serviço. E o Cardeal: você, teólogo da libertação, politiza tudo; aqui temos uma obra de arte e não uma peça de teologia. Ao que lhe disse apontando para as grandes janelas quadriculadas de ferro: o Sr. não tem olhos para a teologia da libertação porque vê o mundo dos pobres por aquelas janelas quadradas por onde não chega seu grito.

Tivemos mais uma hora de trabalho. No final um encontro com os dois cardeais brasileiros Arns e Lorscheider que vieram me apoiar. Dom Arns foi logo direito: Sr. Cardeal Ratzinger, não gostamos de seu documento sobre a teologia da libertação. Pedimos um outro que faça justiça às igrejas que tomam a sério a opção pelos pobres e por sua libertação. Ao construir uma ponte o Sr. não chamou um engenheiro mas um gramático. Convide nossos construtores e eles o ajudarão a fazer uma boa teologia da libertação, útil à toda a Igreja.

Leonardo Boff, Artigo publicado no Jornal do Brasil em 24 de Setembro de 2004; in Artigos, www.leonardoboff.com

1 comentário:

Unknown disse...

SERGIO AUGUSTO DIBNER MARAVALHAS, muito bem. EU FUI CARDEAL NA inquisição e sofro consequências que travei em 1313 ano proximo que exclui os templarios "proscrição" seria melhor do que ser queimado não acha? 41 87096380 claro mail dibner@hotmail.com